Caso Fortuito e Força Maior nas relações de consumo e a necessidade de planejamento das empresas para que continuem a impulsionar os seus processos de adaptação à nova realidade
Por Rossana Fonseca e Roberta Forlani
Chegamos ao final do mês de março, mês que, todos os anos, é dedicado ao consumidor. Este ano, no entanto, a data foi diretamente atingida pelos efeitos do coronavírus (Covid-19). Um período que poderia ter sido de ofertas para consumidores e ganhos para fornecedores, acabou se transformando num momento de queda vertiginosa nas vendas e até fechamento de negócios, deixando muitos consumidores sem acesso a diversos produtos e serviços, não fosse, em alguns casos, o acesso às compras on line.
É que as medidas de isolamento forçado mudaram abruptamente os hábitos da população e, indubitavelmente, depois disso, seguirão trazendo reflexos nos hábitos de consumo e na economia como um todo.
Nesse momento, o mercado está mergulhado em dúvidas e incertezas. Salários sendo reduzidos, negócios fechando, empregos desfeitos e muitos não sabem como farão para honrar compromissos, especialmente aqueles anteriormente assumidos e de longa duração.
Certamente existem alternativas. Para situações como essa, o direito reconhece que existem fatos que estão além da nossa capacidade de previsão e que, por mais que tenhamos nos planejado, não havíamos como prever o seu acontecimento. É o chamado “caso fortuito” ou “evento de força maior”
O Código de Defesa do Consumidor não traz expressamente o caso fortuito e a força maior como cláusula excludente de responsabilidade, mas sua aplicabilidade já é pacífica nas relações de consumo pelos tribunais, em razão da previsão contida no artigo 393 do Código Civil vigente, cujo texto determina que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.”
Aliás, não é de hoje que os tribunais pátrios reconhecem a inteligência e aplicação desse dispositivo, de modo que, caracterizado o inesperado, este pode vir a ser fator excludente de responsabilidade ao dever de indenizar. E são inúmeras as decisões nesse sentido.
O certo é que a atual pandemia acabou por atingir todas as partes da relação contratual, seja ela fornecedora ou consumidora, de modo que ambas estão em estado de vulnerabilidade, sendo provável que todas elas acabem por se utilizar desse argumento para justificar eventual descumprimento de obrigação.
É correto que havendo judicialização, o Magistrado haverá de analisar a relação, o tamanho das partes e suas respectivas capacidades de enfrentamento da crise, sendo fator primordial para a decisão a verificação de eventual hipossuficiência de um em relação ao outro.
Daí a importância da harmonização dos interesses. As partes precisam estar abertas para rever e renegociar os seus contratos, criar soluções capazes de evitar maiores prejuízos, preservando a relação, o negócio e, sendo possível, a continuidade do contrato.
Nesse momento, a cautela jurídica é elemento essencial para a minimização dos riscos tanto do fornecedor quanto do consumidor.
Para um correto enfrentamento da crise momentânea, é importante que se faça um levantamento de todos contratos, analisando detidamente, dentre eles, quais são aqueles passíveis de impacto. Esses contratos deverão ter suas cláusulas analisadas com a previsão de seus efeitos para a criação de um plano de ação, que deverá ser executado de forma imediata, a começar pelo chamamento dos envolvidos para a tentativa de renegociação.
Todas as providências devem ser pautadas na boa-fé e preservação dos contratos. Por isso, é fundamental que as empresas estejam cada vez mais preparadas, com um bom suporte jurídico capaz de auxiliá-las para que continuem a impulsionar os seus processos de adaptação à nova realidade sem receio de eventuais problemas jurídicos.
Sócia Roberta Forlani comenta criação do PIX
Houve uma época em que nem a TV funcionava o tempo todo, mas, com a evolução, muitos serviços passaram a ficar disponíveis ininterruptamente. Agora o Banco Central do Brasil anunciou mais um serviço que funcionará 24 horas por dia, 7 dias por semana: o PIX – sistema de pagamento instantâneo.
O BACEN não poderia ficar de fora do avanço tecnológico. Assim, a plataforma de transferência instantânea de valores foi criada para que o consumidor faça transações online a qualquer dia e horário.
Todas as instituições financeiras com mais de 500 mil correntistas ativos deverão aderir ao sistema até novembro deste ano. E os bancos terão que provisionar recursos financeiros para garantir o funcionamento do serviço.
A ideia dos pagamentos instantâneos de forma prática, simples e barata, dando mais agilidade ao dia a dia, está totalmente conectada com o mundo tecnológico que estamos vivendo.
Pernambuco, o primeiro Estado brasileiro a instituir seu próprio Código de Defesa do Consumidor
Com pioneirismo, Pernambuco foi o primeiro Estado brasileiro a instituir seu próprio Código de Defesa do Consumidor. O Estado de Pernambuco, valendo-se da competência concorrente para legislar sobre consumo prevista nos artigos 24, V e VII e 170, IV da Constituição Federal, publicou em 15 de janeiro de 2019 o Primeiro Código de Defesa do Consumidor Estadual, para vigorar a partir de 16 de abril de 2019, mas sua entrada em vigor foi adiada por mais 90 dias, a pedido da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-PE e órgãos da defesa do consumidor. A decisão de adiar a entrada foi estipulada posteriormente a uma audiência pública, realizada no dia 29 de março de 2019.
Não recebo com tranquilidade esse novo Código, pois acredito que um CDC distinto por Estado pode desenvolver margem de insegurança jurídica adjunta ao Código Federal já existente.
Para a OAB do Estado de Pernambuco é necessário se aprofundar mais em alguns pontos, para garantir a segurança jurídica dos consumidores e fornecedores. Na tentativa de evitar que o Código já entre em atividade desgastado, pedem um prazo maior para analisar e realizar ajustes e aperfeiçoamentos.
Esse Código Estadual traz uma visão mais objetiva das relações de consumo com ideias inovadoras, como a obrigatoriedade das concessionárias de veículos fornecerem carro reserva no caso de o automóvel ficar parado por mais de dez dias úteis no conserto por falta de peças, ou por qualquer outro impedimento. Essa obrigatoriedade foi objeto de ação judicial e o STF julgou pela inconstitucionalidade, da qual transitou em julgado no dia 28 de fevereiro de 2019, e não mais produzirá efeitos quando o Código entrar em vigor.
Outro aspecto é a regulamentação direcionada a alguns setores, tais como instituições financeiras, call center, bares, farmácias e outros. Isso poderá evitar conflitos e mais processos na Justiça.
Contudo, as empresas devem ficar atentas. Por exemplo, o CDC de Pernambuco estipula que instituições financeiras ficam proibidas de cobrar por serviços acessórios, pelas aberturas de crédito e estão obrigadas a descontar débitos contestados na fatura atual e não mais na próxima fatura. A vedação de cobranças de taxas por perda de cartão e por emissão de carnê ou boleto também se encontram no Código.
Mais ainda, esse novo CDC conduz à proibição da exigência de valor mínimo para pagamentos em cartão de crédito e débito, à proibição de que concessionárias de água e energia suspendam serviços por falta de pagamento antes de feriados e finais de semana, bem como à atribuição de regras especiais para promoções e liquidação com publicidades direcionadas a cada seguimento, entre outras imposições.
O Código Estadual traz também mudanças para os contratos digitais, o que é um ganho para todos ante o expressivo e diário crescimento do consumo digital. Todo mercado requer uma transformação nas demandas de serviços e produtos, estamos na era da tecnologia e da informação.
Outro ponto merecedor de análise e reanalise é o fato de o Código Estadual ser mais rígido nas penalidades, multas e sanções.
Em suma, que as ideias contidas no Código de Defesa do Consumidor Estadual – que não poderão produzir efeitos por contrariarem o princípio dos princípios constitucionais, qual seja, o princípio da igualdade, posto que o Código Estadual cria inúmeras diferenças injustificadas entre os consumidores e os fornecedores de Pernambuco e os do restante do país – sirvam para nortear as mudanças que precisam ser feitas no Código de Defesa do Consumidor vigente.
*Roberta Forlani é advogada Pós-Graduada em Administração de Negócios pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pós-Graduanda “Lato-Senso” em Especialização em Gestão de Risco e Fraude Compliance pela Fundação Instituto de Administração (FIA) e atualmente é advogada do Neves, De Rosso e Fonseca Advogados Associados.
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