Ações de atletas por direitos trabalhistas
Para advogados, norma coletiva evitará ações de atletas por direitos trabalhistas
Atitude do Corinthians de dizer que não vai mais jogar à noite e aos domingos é uma resposta para evitar mais prejuízo
Matéria publicada em 12/05/20 no Estadão
Vinícius Saponara, O Estado de S.Paulo
A grande maioria dos clubes brasileiros passa, há um bom tempo, por dificuldades financeiras causadas por vários motivos – má gestão administrativa e poucos recursos oriundos dos direitos de transmissão ou da venda de jogadores são alguns deles. O atual momento vivido no Brasil e no mundo, com a paralisação das competições provocada pela pandemia do novo coronavírus, agrava a situação, que pode se complicar ainda mais com novos fatos.
Nos últimos dias foi noticiado que o ex-zagueiro Paulo André, hoje com cargo de direção no Athletico-PR, e o volante Maicon, atualmente no Grêmio, ganharam suas ações na Justiça contra Corinthians e São Paulo, respectivamente, pedindo o pagamento de valores referentes a adicionais noturnos e atividades realizadas durante domingos e feriados. O primeiro vai receber R$ 750 mil do clube alvinegro e o outro R$ 200 mil do tricolor.
Como forma de se precaver de outras ações como essas, o Corinthians surpreendeu nesta semana ao informar à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), à Federação Paulista de Futebol (FPF) e à Rede Globo que não vai mais jogar à noite e aos domingos. Por meio de um comunicado oficial, o presidente Andrés Sanchez ameaçou não mandar o time a campo caso suas partidas sejam marcadas nessas datas quando o futebol voltar.
Para advogados especializados em direito esportivo, a atitude do Corinthians é uma resposta para evitar mais prejuízo. “Casos com previsão de recebimento de adicional noturno e de dias trabalhados aos domingos e feriados não são de agora. É uma resposta para evitar mais ações, pois pode a tendência é de jurisprudência”, disse João Marcos Guimarães, sócio do escritório Bosisio Advogados.
Eduardo Carlezzo, sócio da Carlezzo Advogados, vê um excesso ao comparar-se a jornada de trabalho de um atleta de futebol com trabalhadores das demais categorias. “Existem inúmeras peculiaridades no futebol que não encontram correspondência em outras categorias. Estas decisões desconsideram aspectos básicos da prática profissional do futebol: disputar partidas à noite e nos finais de semana é a essência do futebol profissional. Por isso, entendo que tais decisões têm todas as condições de serem revertidas no TST (Tribunal Superior do Trabalho), não fazendo nenhum tipo de jurisprudência no assunto”.
Mas os jogadores não estão errados em entrar com ação contra os clubes para reclamar adicional noturno ou de ter de jogar aos domingos e feriados. “Já existia uma abertura na Lei Pelé para isso. Ela reserva certos direitos trabalhistas para os atletas. Um acordo entre clube e jogadores pode ser feito para evitar ações”, afirmou Bruno Fernandes, advogado associado do escritório Neves, De Rosso e Fonseca.
O problema para os jogadores é, de certa forma, “se queimarem” em futuras negociações. Especialmente os mais jovens. “Isso pode acontecer mesmo. É um risco para eles. Tanto que essas ações não são comuns. O número é pequeno”, contou Bruno. “Se o novo clube, para onde o jogador está se transferindo, souber (de alguma ação), pode não querer mais fazer a negociação”.
Para João Marcos Guimarães, uma norma coletiva – feita em conjunto por clubes, federações, jogadores e sindicato – é a melhor solução para evitar esses casos. “Jogadores e clubes precisam se acertar com relação a tempo de treinos, concentração. É preciso uma norma coletiva para poder estabelecer formas de remuneração para isso, evitando assim que ações desse tipo sejam feitas”, comentou.
Sócio Bruno Fernandes fala ao Estadão
O coronavírus e a possibilidade de suspensão ou redução de salários de jogadores de futebol
Publicado em 16/04/20 no Estadão
Bruno Fernandes da Silva*
Em meio à discussão jurídica acerca da aplicabilidade da MP 927/20, editada em 20/03/2020, a qual já passou por modificações importantes por intermédio da MP 928/20, que barra a suspensão de salários (art. 18), e que já passou por análise liminar pelo STF, cuja iniciativa foi reeditada pela MP 936/2020, que prevê no seu art. 7º, II a pactuação de acordos individuais escritos e, até mesmo, a redução da jornada de trabalho e do salário, em faixas de 25%, 50%, com teto de 70%, um movimento um tanto controverso surge no cenário jus desportivo: cabe aos clubes suspender salários de jogadores em função da pandemia de coronavírus?
No Brasil, mesmo diante da edição desta última medida provisória, até então não se tinha chegado a um denominador comum. Associação Brasileira de Executivos Financeiros do Futebol (Abeff) em sua última reunião envolvendo clubes das séries A, B e C do Campeonato Brasileiro, discutiu propostas de férias imediatas de 30 dias; a partir do 31º dia, caso a situação não esteja normalizada, redução de 50% nos salários e direitos de imagem; e, se depois de mais 30 dias a suspensão dos torneios persistir, seria permitida a suspensão dos contratos até que a pandemia seja superada. Houve acordo somente para as férias por 30 dias.
A categoria é espécie sui generis, e detém condições específicas. No debate ainda, propunha-se definir um piso às medidas, aplicando-as apenas aos vencimentos superiores a R$ 40 mil mensais. Fora pequenas divergências internas e opções em debate, como suspender pagamento apenas de direitos de imagem, mas, em linhas gerais, a discussão é sobre um corte dos vencimentos de atletas, pela metade, dentro de 30 dias. O Fortaleza, por exemplo, fechou acordo com os jogadores, prevendo uma diminuição de 25% nos salários de março e abril, bem como uma redução de 15% nos salários dos dirigentes.
No futebol europeu, após uma resistência inicial dos jogadores que, mesmo apoiando o movimento de isolamento social, especialmente na liga italiana, chegou-se ao consenso de que soluções emergenciais devem ser tomadas, o que fez com que Barcelona e PSG decidissem no fim desta semana reduzir os salários de seus jogadores. O clube catalão não informou o percentual, mas o francês entendeu por um teto de até 70% dos vencimentos do atleta.
Juridicamente, a discussão é travada no âmbito do Direito do Trabalho (Lei Pelé, art. 3º, § 1º, I) que prevê apenas a força maior como causa de redução de salários, mesmo assim, limitada a até 25% (CLT, art. 503). No entanto, muito embora o art. 501 da CLT dê por ‘força maior’ todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente, válida para trabalhadores sob relação de emprego, fora disso e da edição desta última medida provisória, não havia previsão para a suspensão dos pagamentos, especialmente quando aplicado a jogadores de futebol.
E com isso o problema pode ser ainda mais preocupante, pois mesmo uma redução para salários, por exemplo, acima de R$ 40 mil, clubes com faturamentos não tão expressivos seriam diretamente afetados.
Como visto, muito além dos reflexos no salário, especialmente no futebol, há outras rendas que compõem a remuneração. Com a suspensão das competições, o chamado direito de arena deixa de ser pago aos competidores. Apenas esta renda corresponde a 5% do valor recebido pelas emissoras de televisão, pela licença de exibição dos jogos. Isso sem mencionar os direitos de imagem, que podem chegar a cifras bem mais altas.
Há que se dar tempo ao tempo. Um cenário nebuloso ainda está instalado; e, até que um acordo coletivo seja finalmente firmado, pois, se sobrepõe à lei (CLT, art. 611-A) e às próprias convenções coletivas (CLT, art. 620), medidas alternativas e até mesmo inventivas devem ser analisadas e postas em prática com cuidado, sendo esse novo mandamento do Executivo (provisório) um caminho que ainda carece de discussão, resguardada a urgência, para que seja um “carrinho” válido, tal como se faz dentro de campo.
Bruno Fernandes da Silva é advogado com Pós-Graduação em Direito dos Contratos pelo Insper e Pós-Graduando em Direito Desportivo pela Escola Superior de Advocacia da OAB. Atua nas áreas de Direito Civil e Empresarial da unidade de São Paulo do escritório Neves, de Rosso e Fonseca Advogados*.
Confira texto do sócio Bruno Fernandes sobre os reflexos do coronavírus (COVID-19) nos vencimentos dos jogadores e o impacto no caixa dos clubes
O COVID-19 E A POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO OU REDUÇÃO DE VENCIMENTOS DE JOGADORES DE FUTEBOL: PODE?
Por Bruno Fernandes
Em meio à discussão jurídica acerca da aplicabilidade da MP 927/20, editada em 20/03/2020, a qual já passou por modificações importantes através da MP 928/20, que barra a suspensão de salários (art. 18), e que já passou por análise liminar pelo STF, cuja iniciativa foi reeditada pela MP 936/2020, que prevê no seu art. 7º, II a pactuação de acordos individuais escritos e, até mesmo, a redução da jornada de trabalho e do salário, em faixas de 25%, 50%, com teto de 70%, um movimento um tanto controverso surge no cenário jusdesportivo: cabe aos clubes suspender salários de jogadores em função da pandemia de coronavírus?
No Brasil, mesmo diante da edição desta última medida provisória, até então não se tinha chegado a um denominador comum. Associação Brasileira de Executivos Financeiros do Futebol (Abeff) em sua última reunião envolvendo clubes das séries A, B e C do Campeonato Brasileiro, discutiu propostas de férias imediatas de 30 dias; a partir do 31º dia, caso a situação não esteja normalizada, redução de 50% nos salários e direitos de imagem; e, se depois de mais 30 dias a suspensão dos torneios persistir, seria permitida a suspensão dos contratos até que a pandemia seja superada. Houve acordo somente para as férias por 30 dias.
A categoria é espécie sui generis, e detém condições específicas. No debate ainda, propunha-se definir um piso às medidas, aplicando-as apenas aos vencimentos superiores a R$ 40 mil mensais. Fora pequenas divergências internas e opções em debate, como suspender pagamento apenas de direitos de imagem, mas, em linhas gerais, a discussão é sobre um corte dos vencimentos de atletas, pela metade, dentro de 30 dias. O Fortaleza, por exemplo, fechou acordo com os jogadores, prevendo uma diminuição de 25% nos salários de março e abril, bem como uma redução de 15% nos salários dos dirigentes.
No futebol europeu, após uma resistência inicial dos jogadores que, mesmo apoiando o movimento de isolamento social, especialmente na liga italiana, chegou-se ao consenso de que soluções emergenciais devem ser tomadas, o que fez com que Barcelona e PSG decidissem no fim desta semana reduzir os salários de seus jogadores. O clube catalão não informou o percentual, mas o francês entendeu por um teto de até 70% dos vencimentos do atleta.
Juridicamente, a discussão é travada no âmbito do Direito do Trabalho (Lei Pelé, art. 3º, § 1º, I) que prevê apenas a força maior como causa de redução de salários, mesmo assim, limitada a até 25% (CLT, art. 503). No entanto, muito embora o art. 501 da CLT dê por ‘força maior’ todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente, válida para trabalhadores sob relação de emprego, fora disso e da edição desta última medida provisória, não havia previsão para a suspensão dos pagamentos, especialmente quando aplicado a jogadores de futebol.
E com isso o problema pode ser ainda mais preocupante, pois mesmo uma redução para salários, por exemplo, acima de R$ 40 mil, clubes com faturamentos não tão expressivos seriam diretamente afetados. Como visto, muito além dos reflexos no salário, especialmente no futebol, há outras rendas que compõem a remuneração. Com a suspensão das competições, o chamado direito de arena deixa de ser pago aos competidores. Apenas esta renda corresponde a 5% do valor recebido pelas emissoras de televisão, pela licença de exibição dos jogos. Isso sem mencionar os direitos de imagem, que podem chegar a cifras bem mais altas.
Há que se dar tempo ao tempo. Um cenário nebuloso ainda está instalado; e, até que um acordo coletivo seja finalmente firmado, pois, se sobrepõe à lei (CLT, art. 611-A) e às próprias convenções coletivas (CLT, art. 620), medidas alternativas e até mesmo inventivas devem ser analisadas e postas em prática com cuidado, sendo essa novo mandamento do Executivo (provisório) um caminho que ainda carece de discussão, resguardada a urgência, para que seja um “carrinho” válido, tal como se faz dentro de campo.