Sócio Lincoln Leite para Valor Econômico
Disponível em: Site Valor Econômico
TJ-SP determina bloqueio de recursos na conta da funcionária do devedor
Credor a localizou porque ela pagava mensalidades escolares dos filhos de empresário
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) tem apostado em soluções arrojadas contra devedores para que quitem suas dívidas. Em uma nova decisão incomum, os desembargadores determinaram o arresto (bloqueio provisório) de recursos na conta bancária da funcionária de um devedor. O credor, um banco, a localizou porque era ela quem pagava as mensalidades escolares dos filhos do patrão em uma escola frequentada pela alta sociedade paulistana.
No ano passado, o mesmo tribunal condenou uma sogra a pagar dívida do ex-marido da filha. A decisão levou em consideração contratos verbais de empréstimos no valor total de R$ 900 mil que firmou com o ex-genro, incluídos na declaração de Imposto de Renda dele e que não estariam quitados.
Essas soluções, segundo advogados, são importantes para tentar reduzir a quantidade de processos não finalizados por falta de pagamento no país. No fim de 2019, eram 77 milhões de processos pendentes de baixa – mais da metade (55,8%) se referia à fase de execução (cobrança), segundo o levantamento “Justiça em Números” de 2020, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em parte dos casos, segundo o CNJ, “o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente”.
O processo analisado recentemente pelo TJ-SP foi ajuizado por um banco que tenta cobrar empréstimo no valor de R$ 7 milhões do sócio de uma empresa falida. “Apesar de ter assinado diversos contratos de empréstimo e ter diversas execuções em curso, ele continua com uma vida de luxo, muito superior a de muitos brasileiros”, diz o advogado da instituição financeira, Lincoln Romão Leite, do Neves, De Rosso e Fonseca Advogados.
O banco, segundo o advogado, tem cinco execuções contra ele. “Já tentamos penhora on-line de contas bancárias, de veículos, de imóveis. No caso de imóveis, chegamos a localizar, mas ele faz doação para os filhos ou para a esposa, casada em separação total de bens”, afirma.
Posteriormente, porém, a defesa do banco localizou na declaração de Imposto de Renda do devedor o pagamento das mensalidades escolares de seus filhos, no valor anual de R$ 354 mil. O juiz oficiou, então, a escola e foi informado que o pagamento era realizado por cheques de uma funcionária dele.
A defesa do banco pediu a penhora on-line de recursos na conta da funcionária, até que seja esclarecido o caso, com base no artigo 790, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC). Segundo esse dispositivo, “são sujeitos à execução os bens do devedor, ainda que em poder de terceiros”. Em primeira instância, o pedido foi negado. O juiz entendeu não haver ainda prova da suposta fraude.
O banco recorreu ao TJ-SP. O caso foi analisado pela 16ª Câmara de Direito Privado, que, de forma unânime, indeferiu o pedido de penhora, mas determinou o arresto dos bens da funcionária até que a situação seja esclarecida (agravo de instrumento nº 2217833-52.2019.8.26.0000).
De acordo com o relator, desembargador Mauro Conti Machado, “há sim, indícios suficientes de ocorrência de fraude à execução, a impor o arresto liminar dos ativos financeiros pertencentes ao devedor e que estariam, ao que se presume, sendo ocultados em conta bancária pertencente a terceira pessoa.”
Na decisão, o magistrado destaca que houve expedição de ofício ao Banco Central e ficou demonstrado que o executado não possui conta bancária em nome próprio, mas tão somente como representante de pessoas jurídicas. “Nessa toada, causa estranheza a declaração ao Fisco de pagamento de mensalidades escolares no ano de 2018 no montante total de R$ 354.549,21, considerando-se que, segundo apurado inicialmente, o agravado não teria qualquer tipo de bem ou ativo financeiro”, diz.
Ainda segundo o julgador “se os pagamentos foram realizados como ato de bondade, não poderia o recorrido declará-los ao Fisco, já que as quantias não teriam sido por ele desembolsadas”. Com a liminar, a funcionária será intimada para prestar esclarecimentos sobre os pagamentos realizados, a que título os fez, qual sua ligação com o devedor, além de explicitar a origem dos recursos.
Para o advogado Lincoln Romão Leite, “decisões como essa são muito importantes já que é um desafio muito grande no Brasil tornar a execução efetiva”. No caso concreto porém, explica, a conta da funcionária foi esvaziada antes da decisão do TJ-SP. “Existem devedores que não querem colaborar com a Justiça, não querem dar uma solução para a dívida, parcelar, negociar. Nesses casos, a Justiça tem que agir para encontrar uma solução”, afirma.
Por nota, o advogado que assessora o executado, Gilberto Theodoro, do escritório que leva seu nome, diz que respeita a posição do magistrado, mas que “a decisão foi proferida de forma açodada, com base em suposições trazidas pela parte adversa (e não em provas produzidas segundo as regras processuais aplicáveis à espécie), sem oportunidade do exercício do contraditório e da ampla defesa (pilares do devido processo legal, o que é preocupante)”.
De acordo com o advogado, “essa decisão será oportunamente revista, uma vez que não foi instaurado incidente de desconsideração de personalidade jurídica, o que é essencial para se buscar a responsabilização de terceiros”. A funcionária ainda não tem defensor designado no processo.
Maria Tereza Tedde, do Salusse Marangoni Advogados, que assessora o credor que tenta a execução da sogra do devedor, considera essa nova decisão do TJ-SP “absolutamente legal, correta e técnica”. O arresto, nesse caso, diz, foi necessário até que se analise se houve fraude ou não.
No caso da sogra, já houve a comprovação de fraude à execução, segundo a advogada. Por isso, foi determinada a penhora – ou seja, os recursos podem ser direcionados para o pagamento da dívida. “É muito importante que o tribunal se posicione de maneira muito firme nesses casos, para não continuar passando a mensagem de que vale a pena dever.”
Para o advogado Luis Cascaldi, sócio do Martinelli Advogados, o Judiciário, às vezes, é resistente para a realização de pesquisas patrimoniais de terceiros ligados a devedores “Sempre fica aquela situação: o credor sabe que há patrimônio, mas tem que descobrir onde está”, diz. No caso analisado pelo TJ-SP, de acordo com Cascaldi, a situação é clara. “Quem mais pagaria a mensalidade de um dos colégios mais caros de São Paulo senão o pai? E se está pagando é porque tem recursos.”
Sócio Lincoln Leite para BBC News Brasil
Esposa grávida, três filhos e dois despejos em 2 meses: o drama dos inquilinos expulsos de casa durante pandemia
No caminho para casa depois do trabalho na noite de quarta (7), o motoboy Jucelio de Sousa Lima, de 39 anos, se pergunta como fará para pagar o aluguel neste mês.
O local em que vive com a esposa Michele — grávida de sete meses — e os três filhos, em Diadema, é a terceira moradia da família durante a pandemia, mas se não conseguirem R$ 600 para pagar o aluguel, poderão não ter para onde ir.
Antes da pandemia, Jucelio e família moravam em São Bernardo do Campo, em um apartamento alugado no Jardim Silvina. Quando a crise gerada pela covid-19 levou os chefes do pai de família a reduzirem seu salário, ficou impossível pagar o valor do aluguel.
“Ou a gente pagava as contas ou a gente comprava comida”, conta ele à BBC News Brasil.
O dono do apartamento pediu o imóvel de volta e a família ficou sem ter para onde ir. Com o que estava recebendo — menos de R$ 600 — e em meio à pandemia, Jucelio não conseguiu alugar outro lugar.
Desesperado, conta ele, pediu a líderes de uma ocupação que tinha visto em Diadema durante uma entrega de moto se poderia ficar no local. A ocupação do Jardim Ruyce, que ficava em um terreno vazio próximo à rodovia dos Imigrantes, foi feita por várias pessoas que ficaram desempregadas na pandemia.
“Eles arrumaram um espaço de 9 metros por 5 metros, mas se a gente não construísse um barraco em uma semana, ia perder mesmo isso”, conta ele.
Como ele usava uma moto da empresa no trabalho, Jucelio pôde vender sua moto, que usava para ganhar um dinheiro extra trabalhando após o expediente, para poder construir o barraco e não deixar a família desabrigada. A moto não rendeu muito; Jucelio também teve de pedir dinheiro emprestado ao irmão e aos chefes para poder comprar material de construção.
Ele mesmo construiu o barraco e levou seus móveis para a ocupação com ajuda de amigos. Tinha esperança de poder ficar ali por algum tempo, pelo menos até conseguir pagar as dívidas e comprar novamente uma moto.
Mas, em menos de 35 dias, Jucelio, Michele e os três filhos foram despejado de novo, ao lado de outras 179 famílias, quando o governo do Estado de São Paulo e a Ecovias conseguiram na Justiça ordem para remoção das famílias do local.
Idoso, doente e sem casa na pandemia
A situação de Jucelio não é nenhuma raridade, explica Talita Gonzales, da campanha Despejo Zero, uma reunião de voluntários de várias áreas e movimentos sociais que lutam nacionalmente para que famílias não sejam desabrigadas em meio à difícil situação imposta pela pandemia de covid-19.
“Vivemos, dezenas de famílias, na mesma situação: indo para a ocupação depois de despejadas e sendo despejadas de novo”, conta.
Um mapeamento do LabCidade, laboratório de urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, mostra que o número de remoções coletivas aumentou durante a pandemia na região metropolitana de São Paulo. Entre abril e junho deste ano, seis remoções levaram 1300 famílias a ficarem desabrigadas — o dobro do trimestre anterior (janeiro a março de 2020). Entre julho e setembro, foram oito novas remoções coletivas, atingindo 285 famílias.
Dados do Secovi (sindicato das empresas de habitação) mostram que metade dos inquilinos residenciais e comerciais pediram renegociação do aluguel durante a pandemia — 54% deles em julho e 50% em agosto. Mas muitos não conseguiram renegociar e precisaram sair.
Dados do Tribunal de Justiça de São Paulo indicam que houve um aumento na ações envolvendo contratos de locação durante a pandemia. Em junho foram 1.290, um aumento de 55,8% em relação a maio; a maioria (89%) por falta de pagamento. O número inclui também processos de imóveis comerciais. Em julho, o número aumentou ainda mais, para 1.600 processos.
São dados alarmantes, afirma a urbanista Raquel Rolnik, professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade, e que nem incluem os despejos informais — de pessoas em situações mais precárias que não tem contratos formais.
A situação levou a vários embates estressantes com imobiliárias, como no caso do aposentado Jorge Torres, um idoso de 79 com demência vascular.
Sua filha, a designer Renata Tonezi, conta que mesmo durante a pandemia estava pagando os aluguéis em dia, mas que a imobiliária, esqueceu de renovar o seguro-fiança no tempo certo e quis que Jorge fizesse um seguro de 30 meses em meio à pandemia — sendo que o contrato terminaria em 12.
A imobiliária não aceitou um seguro de 12 meses nem as alternativas oferecidas pela família. Desesperada com a possibilidade de um despejo, Renata correu para encontrar um lugar para seu pai.
“Ele nem está conseguindo entender o que está acontecendo, por que vai ter que sair da casa, é muito triste”, conta ela. “Eu converso com ele, mas no dia seguinte ele esquece”, explica Renata, que tem se revezado com o irmão para dar remédio e comida para o pai, que, por causa da doença, muitas vezes ele esquece de se alimentar sozinho.
“Ele foi para a casa (no Cursino, em São Paulo) justamente porque é perto da casa da minha mãe e do meu irmão e facilita para cuidarmos. Ele ser obrigado a sair em meio à pandemia é um transtorno muito grande para uma pessoa doente”, conta Renata. “A gente tentou resolver de forma amigável, mas não teve jeito.”
“É tão injusto. Eu chorei de raiva hoje, porque nunca deixamos de pagar, sempre cuidamos da casa” diz Renata.
A BBC News Brasil questionou a imobiliária sobre o caso por e-mail e por telefone, mas não obteve resposta.
Epidemia de despejos
“No observatório de remoções do LabCidade acompanhamos os casos de remoções coletivas, e, mesmo com dificuldade de conseguir dados, mapeamos muitos casos. Se você considerar os despejos individuais e os informais, então é um número enorme, é uma verdadeira epidemia”, afirma Rolnik.
“Com a crise econômica e agravamento do desemprego, já estávamos observando um aumento nas ocupações. Na pandemia isso se agravou ainda mais e surgiram muitas novas ocupações, de gente que morava pagando aluguel em favelas e não conseguem mais pagar, ou seja, são despejadas das favelas e acabam em ocupações, em situação ainda mais precária”, diz ela.
O primeiro despejo de Jucelio, quando precisou sair do apartamento em São Bernardo, é um desses casos que não estão nas estatísticas — ele não conseguiu pagar, o dono pediu o apartamento e ele devolveu, não chegou a haver uma ação judicial.
A remoção da ocupação, conta, foi ainda mais traumática, porque os moradores tinham uma liminar que impedia o Estado de fazer a remoção, então acharam que não iam precisar sair. Mas, de última hora, o governo conseguiu uma decisão judicial derrubando a liminar.
“A gente não sabia, teve gente que foi trabalhar e deixou todas as coisas, perdeu tudo. Eu consegui salvar a geladeira, a TV e a máquina de lavar, mas perdemos uma cômoda com todas as roupas de bebê que tínhamos ganhado, uma carteira com parte do pagamento da moto, vários documentos. Foi horrível, eles chegaram com retroescavadeiras e simplesmente derrubaram tudo”, conta Jucelio.
Logo depois da remoção, um incêndio na ocupação destruiu pertences que ainda estavam em meio aos escombros. Diversas pessoas ficaram feridas e tiveram que ser levadas ao hospital, segundo relatos das famílias.
À época, a Ecovias disse em nota que comunicou as famílias 15 dias antes, mas reconheceu que a data da reintegração de posse não estava marcada. A justificativa seria o risco pelo fato da ocupação estar próxima à rodovia. Nem o governo do Estado, dono do terreno sob concessão da Ecovias, nem a prefeitura de Diadema, onde ficava a ocupação, ofereceram assistência às famílias.
“Discussão do risco é muito importante, de fato, tem áreas em que as pessoas estão sujeitas a riscos como deslizamento e enchente. Mas o problema quando se fala em risco é que ele precisa ser avaliado individualmente, fazer um laudo, examinar em outra escala, não em baciada”, afirma Raquel Rolnik, da FAU.
“Ninguém vai se pendurar numa pirambeira numa situação vulnerável se tiver alternativas. Hoje se olha áreas sujeitas a risco e tira-se as pessoas, não se atende ninguém, e muitas vezes as pessoas vão embora para uma situação de risco ainda maior”, diz a urbanista.
Jucelio, felizmente, conseguiu ajuda de uma conhecida para alugar informalmente uma casa em Diadema e ajuda das professoras dos três filhos para comprar comida e roupas, mas sua situação ainda é de total insegurança.
“Estou pagando os empréstimos que usei para construir, recebi meu salário ontem e tive que pagar tudo para o meu patrão, que tinha me emprestado. Ou seja, não recebi nada. Não sei como vou fazer. É uma situação muito constrangedora, muito humilhante”, diz ele, com medo de ter de mudar novamente sem saber para onde.
Mas despejos na pandemia são permitidos?
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma resolução aconselhando que os tribunais não despejassem pessoas na pandemia, mas é apenas uma orientação, não uma regra, explica advogado Lincoln Romão Leite, especialista em Direito Imobiliário do escritório Neves, De Rosso e Fonseca Advogados.
Durante a pandemia, o Congresso aprovou uma lei proibindo despejos por decisões liminares (preliminares e temporárias, normalmente dadas com rapidez). A proibição foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas passou a valer quando o Congresso derrubou o veto — alguns dias após a remoção da ocupação de Jucelio através de uma liminar.
No entanto, explica Romão Leite, decisões normais de despejo, que não sejam dadas por liminar, continuam valendo.
Boa parte dos casos, no entanto, nem chegam à Justiça, como o de Jorge Torres.
Sua filha Renata conta que a imobiliária nem chegou a passar à proprietária do imóvel as propostas de outras formas de garantia que a família ofereceu quando descobriu que a empresa tinha esquecido de renovar o seguro fiança.
“Eles queriam que fizéssemos uma seguro de 30 meses, sendo que o contrato terminava em um ano”, conta ela. “Nós oferecemos outras garantias, como caução ou outras corretoras de seguro que aceitassem menos meses, mas eles disseram que a proprietária não topou. Depois conversando com a proprietária, descobri que eles nem apresentaram nossa proposta para ela”, conta Renata.
“Imagina, um seguro para 30 meses ficaria muito mais caro, a gente não tem condições”, conta Renata. “A gente nem pediu desconto no aluguel na pandemia, só queríamos uma solução amigável para a questão da garantia”, conta ela.
“A imobiliária está querendo cobrar a multa por (encerramento) do contrato, sendo que foram eles que obrigaram meu pai a sair”, conta ela, que tentou um acordo com a empresa sem sucesso. A imobiliária, Dinamar Imóveis, não respondeu os contatos feitos pela BBC News Brasil sobre o caso.
No fim, a única solução encontrada pela família foi o idoso ir morar com a ex-esposa, mãe de Renata. “Eles estavam separados havia 15 anos, mas ela se sensibilizou”, conta a filha.
“Ser desalojado já é um processo traumático e com consequências gravíssimas em termos normais. Na pandemia a situação é ainda muito mais grave”, afirma Rolnik.
“A gente viu situações que chama de ‘transitoriedade permanente’, de pessoas que chegaram a ser removidas 8 vezes. E o principal conselho das autoridades de saúde é ‘fique em casa’. Como promover essa medida se as pessoas estão sendo desalojadas?”
Sócio Lincoln Leite fala à Revista Veja
Preço dos aluguéis dispara; saiba como negociar valores
Com alta do IGP-M, preços das locações na capital paulista cresceram; isso em meio à pandemia, quando muitos perderam o emprego ou tiveram redução de renda
Por César Costa – Disponível também em: vejasp.abril.com.br/cidades/preco-alugeis-dispara-situacao
Os preços dos aluguéis tiveram um grande aumento. O principal motivo é a alta do Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M). De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), em setembro o aumento foi de 4,34%, resultando em um índice acumulado de 14,40% no ano e de 17,94% nos últimos 12 meses. Para efeito de comparação, no mesmo mês do ano passado o índice havia caído 0,01% e acumulava alta de 3,37% em 12 meses.
Para compreender melhor o cenário, VEJA São Paulo conversou com Lincoln Romão Leite, advogado do Neves, De Rosso e Fonseca Advogados. Especialista nas área de Direito Civil e Processual Civil, ele explica como negociar o preço do aluguel, que aumenta em meio à pandemia do coronavírus, quando muitas pessoas perderam o emprego ou tiveram redução no salário.
Por que os preços estão aumentando?
O índice do IGP-M acumulado está bem alto e ele é usado em contratos de locação para reajustar o valor do aluguel. Por consequência, com esse índice acumulado, o reajuste tem sido bastante considerável para quem paga aluguel.
Além disso, é preciso ficar atento se o aumento do aluguel está relacionado só ao IGP-M. Alguns lugares específicos estão sofrendo uma movimentação da demanda. Muita gente optou na pandemia por sair da capital ou até buscar apartamentos maiores para viver. Então, ao mesmo tempo que temos alguns espaços vagos, outros estão experimentando uma demanda muito mais aquecida, e isso vai influenciar no valor dos aluguéis.
O que motiva o crescimento do IGP-M?
O IGP-M é composto por outros três índices. Um desses índices está muito atrelado ao dólar. Como o dólar vem subindo muito recentemente, o IGP-M subiu também.
Qual seria a melhor maneira dos locadores lidarem com esse cenário?
Os locadores têm uma situação bastante peculiar hoje, pois não estão trabalhando só com o aumento do IGP-M, mas também com uma grande movimentação no mercado imobiliário por conta desse reflexo da pandemia. Há pessoas precisando se mudar por necessidade de pagar um aluguel mais baixo. Outras estão sofrendo com perda de emprego ou redução de trabalho, entre outros fatores.
Outros locadores estão enfrentando uma situação inversa e atípica. Uma alta procura por moradias e imóveis. E tudo tem que ser negociável: uma vez que o índice seja previsto no contrato, é direito do proprietário cobrar esse reajuste. Mas também é necessário observar se é interessante isso. Ele pode perder o inquilino e, por consequência, ter a dificuldade de repor. Então, a melhor solução é conversar e negociar, podendo alterar o índice de referência ou recompor esse valor de outra forma.
Como o inquilino pode enfrentar os aumentos dos valores?
O inquilino residencial está numa situação mais sensível, de pagar o aluguel para morar. Basicamente a situação demanda negociação. As opções que os inquilinos possuem são, na verdade, ferramentas para tentar negociar melhor:
- Verificar os alugueis dos vizinhos e região: é preciso analisar o prazo do contrato. Normalmente, os contratos de locação residencial são de 30 meses. Depois disso, ele é renovado anualmente. Se a pessoa estiver numa situação em que ela reside no imóvel há muito tempo com o contrato ainda sem renovação, vale a pena pesquisar na região o quanto os vizinhos estão pagando ou tentar ir até uma imobiliária para saber qual o valor médio daquelas redondezas. Existe a possibilidade de a pessoa estar pagando até abaixo do que está sendo pago no mercado.
- Demonstrar que vem pagando sempre em dia o aluguel, que não dá trabalho para o proprietário ou para a imobiliária, que possui condições de continuar pagando em dia desde que aplicado um reajuste mais justo.
- Se o locador não se mostrar aberto à negociação, vale sempre sugerir algo, não simplesmente pedir para reduzir sem nenhuma alternativa. O inquilino pode sugerir, por exemplo, a aplicação de outro índice de reajuste.
- Se não houver acordo por uma via amigável, também é possível entrar na Justiça para resolver a situação – o que não é uma alternativa interessante. Os valores gastos no judiciário para discutir um contrato de locação e o índice de reajuste, ou somente essa variação do valor do aluguel, é mais do que o lucro gerado negociando ou optando por se mudar para outro imóvel, por exemplo.
Ultimamente tem crescido o uso do que nós chamamos no direito de métodos adequados de solução de disputas, que incluem a conciliação, a negociação e a mediação como alternativas ao Poder Judiciário. Já existem plataformas online que prestam esses serviços e que podem ser utilizadas pelas partes, mas é necessário também que elas verifiquem os custos envolvidos. Algumas plataformas cresceram muito na pandemia, tais como a MOL.
Então não compensa entrar na Justiça?
O judiciário deve ser recorrido em último caso. Se a pessoa tiver condição de renda dificultada pela pandemia, ela tem possibilidade de pedir uma gratuidade de Justiça comprovando que não possui condições de arcar com as despesas do processo.
No entanto, o caminho judicial pode ser viável para quem precisar revisar um contrato de locação comercial. Nesses casos, se não houver acordo entre locador e locatário, a revisão na Justiça pode ser a única via para que o locatário tente manter o equilíbrio do contrato e, por consequência, a manutenção do seu ponto comercial.
Quais são as projeções para o futuro?
Nos próximos meses, o IGP-M deve continuar subindo e a melhora da situação depende de uma melhora do cenário econômico do Brasil. O IGP-M está atrelado com a variação do dólar. Se o dólar abaixar, a tendência é que o índice também abaixe, mas não de imediato. Com o tempo ele deve voltar para um patamar mais razoável. Esperamos também que, com a vacina da Covid-19, aconteça uma melhora na situação econômica. A retomada atual da economia está acontecendo aos poucos, mas, de forma global, todos estão com um pé atrás.
Sócios Bruno Fernandes e Lincoln Romão Leite falam ao portal Nosso Direito em Ação sobre as alterações trazidas pela Medida Provisória 936/20
O Programa Nosso Direito em Ação entrevistou os sócios Bruno Fernandes da Silva e Lincoln Romão Leite. Os profissionais falaram sobre o Direito Desportivo e as recentes alterações trazidas pela Medida Provisória 936/20. O COVID -19 e possibilidade de suspensão ou redução de vencimentos de jogadores de futebol: Pode?
A apresentação é de Leopoldo Luis Lima Oliveira.
Condomínio e aluguel no contexto da pandemia
Por Lincoln Leite
As palavras epidemia e pandemia são substantivos femininos utilizados para designar uma enfermidade que ataca muitas pessoas ao mesmo tempo (epidemia) e que já se espalhou por todo o mundo (pandemia).
Hoje passamos por uma pandemia e, como já ficou bastante claro, o seu combate provoca consequências para todas as pessoas e em todos os contextos econômicos e sociais.
Um desses contextos é o do pagamento de taxas de condomínio e de aluguéis, afetado em razão da diminuição ou da completa impossibilidade de obtenção de renda por pessoas físicas e jurídicas.
A pergunta que se faz é a seguinte: poderá o condômino deixar de honrar com uma ou com ambas as obrigações?
A resposta dada para a maioria dos problemas jurídicos, assim como o que se apresenta, é “depende”.
Antes de procurarmos as respostas, valeria uma outra pergunta: não seria a redução da prestação (condomínio ou aluguel) possível e, em sendo, não seria ela mais interessante para a superação do momento de dificuldade enfrentado por todos?
Pensemos na situação do proprietário do imóvel. Caso ele seja o proprietário e residente, a obrigação de pagar o aluguel inexiste, mas a obrigação de pagar o condomínio sim.
O proprietário deve estar ciente de que a obrigação de pagar o condomínio não é proveniente de contrato, mas sim do fato de ser ele o proprietário do bem. Como diz o art. 1.315 do Código Civil, “o condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita”.
Portanto, aquele que adquire um bem em condomínio (muito comum em edifícios de apartamentos) sabe de antemão que estará obrigado a pagar a taxa necessária à sua conservação e a outros ônus que possam surgir, obrigação esta que perdurará enquanto for proprietário do bem.
Dadas essas características, e em tempos normais, dificilmente a perda do emprego será aceita como hipótese de caso fortuito ou força maior para justificar o incumprimento da obrigação de pagar o condomínio. Aliás, a perda do emprego já não é aceita pelos tribunais brasileiros para justificar o incumprimento de obrigações contratuais, tais como as decorrentes de empréstimos, por exemplo.
Entretanto, não vivemos tempos normais. Não estamos falando apenas na perda do emprego, mas sim, para muitos, na completa impossibilidade de busca por uma recolocação ou uma fonte alternativa de renda, e isso por prazo incerto. Afinal, o principal meio de combate à pandemia é, no momento, o isolamento social.
Nesse cenário, sobressai a importância do papel exercido pelos síndicos e administradores de condomínio. É importante que esses profissionais analisem o caixa do condomínio e tenham o diagnóstico completo de suas necessidades e das despesas para fazer frente a elas pelos próximos meses.
Feito isso, é importante que tenham um papel proativo na negociação de alternativas com os condôminos. A diminuição da taxa, por exemplo, pode não ser imprescindível para todos os condôminos, mas se for possível sustentar a manutenção do condomínio pelos próximos meses mesmo com uma redução, ela certamente trará um alívio para as contas de muitas pessoas.
O combate à epidemia gera consequências em cadeia. Cada despesa cortada pelo condomínio agora e cada redução de despesa que reflita positivamente nas contas dos condôminos pode representar um emprego mantido, um medicamento adquirido ou qualquer outro consumo de bem ou serviço. Em outras palavras, é mais interessante e proveitoso para todos que as cadeias de consumo sejam mantidas e não interrompidas para que a economia continue girando, ainda que em ritmo mais lento.
Isso vale para todos, pessoas físicas e jurídicas.
Em último caso, se não houver negociação a questão poderá ser levada ao Judiciário, o que não é nada interessante. Ir ao Judiciário significará mais despesas, para o condomínio e para o proprietário, e a ampliação da cadeia de consequências do combate à pandemia, já que a tendência é o aumento do número de demandas nos próximos meses.
De toda forma, é possível que a questão seja resolvida com base no art. 317 do Código Civil, que diz: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.
Foi com base neste dispositivo que o juízo da 25ª Vara Cível de Brasília deferiu liminar recentemente para suspender em parte o contrato de locação entre um lojista e um shopping center, permitindo que somente o aluguel incidente sobre o faturamento e os encargos condominiais sejam pago pelos próximos meses (processo nº 0709038-25.2020.8.07.0001).
A solução para o problema do aluguel segue o mesmo caminho até aqui delineado, mas pode ser alcançada de maneira mais fácil. Isso porque enquanto a negociação da taxa condominial pode demandar o envolvimento do síndico, do administrado, do proprietário e até mesmo de todos os condôminos, a negociação do aluguel está limitada entre locador e locatário.
A principal recomendação é negociar para que a questão não seja levada ao Judiciário, mas caso isso aconteça é importante que as partes estejam preparadas para demonstrar a efetiva necessidade de redução ou mesmo do não pagamento do aluguel. Em outras palavras, a pandemia não pode ser utilizada, por si só, para justificar o inadimplemento do contrato. É necessária a efetiva comprovação de que as medidas de combate causaram consequências diretas na capacidade financeira do locatário.
Em uma situação de normalidade o inadimplemento do aluguel pode levar ao despejo, conforme previsto no art. 59, § 1º, IX, da Lei nº 8.245/91, mas, como já dissemos, não estamos em um momento de normalidade.
A tendência é a de que o Judiciário não conceda despejos pelos próximos meses, caso o fundamento seja o inadimplemento de aluguéis e acessórios durante o período de combate à pandemia. Evidentemente, cada caso demandará a devida análise de suas peculiaridades, tais como, por exemplo, a eventual essencialidade do recebimento do aluguel para a manutenção da vida do próprio locador.
As peculiaridades dos casos poderão refletir até mesmo no cumprimento de mandados de despejo já autorizados antes das medidas de isolamento social, como ocorreu em processo em trâmite na 12ª Vara Cível de São Paulo/SP, no qual o juízo determinou a suspensão do cumprimento por 30 dias, tendo em vista que a pessoa a ser despejada era uma idosa e vulnerável (processo nº 1012923-71.2019.8.26.0100).
Pensando em regulamentar situações como essas o Projeto de Lei nº 1179/2020, apresentado pelo Senador Antônio Anastasia, prevê a impossibilidade de despejos liminares até o dia 31 de dezembro de 2020. Estava prevista também a possibilidade de suspensão total ou parcial do pagamento de aluguel até o dia 30 de outubro de 2020, mas o dispositivo foi retirado pela relatora Senadora Simone Tebet e é provável que não seja reincluído pela Câmara.
Enfim, a situação do condomínio e do aluguel demonstra que os problemas gerados pelo combate à pandemia estão encadeados e que as soluções pontuais tendem a não ser eficazes. É extremamente importante que as partes estejam dispostas e prontas para negociar, pensando em soluções que, ainda que não sejam as melhores para o interesse individual de cada qual, possam refletir positivamente na cadeia de problemas que está sendo enfrentada por toda a sociedade.
O nosso ordenamento jurídico prevê soluções para esses problemas, mas demandar o Judiciário deve ser evitado a todo custo.
Sócio Lincoln Romão Leite foi convidado pela AASP para apresentar sua monografia, escolhida entre as 06 melhores da USP
O sócio Lincoln Romão Leite foi convidado pela AASP – Associação dos Advogados de São Paulo, na última quinta-feira (28), para apresentar sua monografia do curso de Especialização em Direito Processual Civil promovido pela USP-AASP. O trabalho foi escolhido entre os 06 melhores da Universidade de São Paulo (USP). Ele abordou o tema “A constitucionalidade dos atos executórios previstos no Decreto-Lei nº 70/66, na Lei nº 9.514/97 e na Lei nº 13.606/18” e foi prestigiado pelos sócios Andrea Barradas, Bruno Fernandes, Grazielle Lujan, Carolina De Rosso e Daniel Neves.