Seminário “Diálogos Sobre o Código de Processo Civil: Críticas e Perspectivas”
O II Seminário “Diálogos Sobre o Código de Processo Civil: Críticas e Perspectivas”, promovido pelo Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito (Ceped) da UERJ, acontece hoje (5) e amanhã (6).
O sócio Daniel Neves é um dos nomes que falará sobre Recursos, nesta sexta-feira, das 11h às 12h, ao lado de Osmar Mendes Paixão Côrtes e Nelson Luiz Pinto.
Acompanhe a transmissão do evento pelo canal do Ceped no YouTube.
Saiba mais no site: https://www.uerj.br/agenda/14588/
Sócio Lincoln Leite para Valor Econômico
Disponível em: Site Valor Econômico
TJ-SP determina bloqueio de recursos na conta da funcionária do devedor
Credor a localizou porque ela pagava mensalidades escolares dos filhos de empresário
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) tem apostado em soluções arrojadas contra devedores para que quitem suas dívidas. Em uma nova decisão incomum, os desembargadores determinaram o arresto (bloqueio provisório) de recursos na conta bancária da funcionária de um devedor. O credor, um banco, a localizou porque era ela quem pagava as mensalidades escolares dos filhos do patrão em uma escola frequentada pela alta sociedade paulistana.
No ano passado, o mesmo tribunal condenou uma sogra a pagar dívida do ex-marido da filha. A decisão levou em consideração contratos verbais de empréstimos no valor total de R$ 900 mil que firmou com o ex-genro, incluídos na declaração de Imposto de Renda dele e que não estariam quitados.
Essas soluções, segundo advogados, são importantes para tentar reduzir a quantidade de processos não finalizados por falta de pagamento no país. No fim de 2019, eram 77 milhões de processos pendentes de baixa – mais da metade (55,8%) se referia à fase de execução (cobrança), segundo o levantamento “Justiça em Números” de 2020, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em parte dos casos, segundo o CNJ, “o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente”.
O processo analisado recentemente pelo TJ-SP foi ajuizado por um banco que tenta cobrar empréstimo no valor de R$ 7 milhões do sócio de uma empresa falida. “Apesar de ter assinado diversos contratos de empréstimo e ter diversas execuções em curso, ele continua com uma vida de luxo, muito superior a de muitos brasileiros”, diz o advogado da instituição financeira, Lincoln Romão Leite, do Neves, De Rosso e Fonseca Advogados.
O banco, segundo o advogado, tem cinco execuções contra ele. “Já tentamos penhora on-line de contas bancárias, de veículos, de imóveis. No caso de imóveis, chegamos a localizar, mas ele faz doação para os filhos ou para a esposa, casada em separação total de bens”, afirma.
Posteriormente, porém, a defesa do banco localizou na declaração de Imposto de Renda do devedor o pagamento das mensalidades escolares de seus filhos, no valor anual de R$ 354 mil. O juiz oficiou, então, a escola e foi informado que o pagamento era realizado por cheques de uma funcionária dele.
A defesa do banco pediu a penhora on-line de recursos na conta da funcionária, até que seja esclarecido o caso, com base no artigo 790, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC). Segundo esse dispositivo, “são sujeitos à execução os bens do devedor, ainda que em poder de terceiros”. Em primeira instância, o pedido foi negado. O juiz entendeu não haver ainda prova da suposta fraude.
O banco recorreu ao TJ-SP. O caso foi analisado pela 16ª Câmara de Direito Privado, que, de forma unânime, indeferiu o pedido de penhora, mas determinou o arresto dos bens da funcionária até que a situação seja esclarecida (agravo de instrumento nº 2217833-52.2019.8.26.0000).
De acordo com o relator, desembargador Mauro Conti Machado, “há sim, indícios suficientes de ocorrência de fraude à execução, a impor o arresto liminar dos ativos financeiros pertencentes ao devedor e que estariam, ao que se presume, sendo ocultados em conta bancária pertencente a terceira pessoa.”
Na decisão, o magistrado destaca que houve expedição de ofício ao Banco Central e ficou demonstrado que o executado não possui conta bancária em nome próprio, mas tão somente como representante de pessoas jurídicas. “Nessa toada, causa estranheza a declaração ao Fisco de pagamento de mensalidades escolares no ano de 2018 no montante total de R$ 354.549,21, considerando-se que, segundo apurado inicialmente, o agravado não teria qualquer tipo de bem ou ativo financeiro”, diz.
Ainda segundo o julgador “se os pagamentos foram realizados como ato de bondade, não poderia o recorrido declará-los ao Fisco, já que as quantias não teriam sido por ele desembolsadas”. Com a liminar, a funcionária será intimada para prestar esclarecimentos sobre os pagamentos realizados, a que título os fez, qual sua ligação com o devedor, além de explicitar a origem dos recursos.
Para o advogado Lincoln Romão Leite, “decisões como essa são muito importantes já que é um desafio muito grande no Brasil tornar a execução efetiva”. No caso concreto porém, explica, a conta da funcionária foi esvaziada antes da decisão do TJ-SP. “Existem devedores que não querem colaborar com a Justiça, não querem dar uma solução para a dívida, parcelar, negociar. Nesses casos, a Justiça tem que agir para encontrar uma solução”, afirma.
Por nota, o advogado que assessora o executado, Gilberto Theodoro, do escritório que leva seu nome, diz que respeita a posição do magistrado, mas que “a decisão foi proferida de forma açodada, com base em suposições trazidas pela parte adversa (e não em provas produzidas segundo as regras processuais aplicáveis à espécie), sem oportunidade do exercício do contraditório e da ampla defesa (pilares do devido processo legal, o que é preocupante)”.
De acordo com o advogado, “essa decisão será oportunamente revista, uma vez que não foi instaurado incidente de desconsideração de personalidade jurídica, o que é essencial para se buscar a responsabilização de terceiros”. A funcionária ainda não tem defensor designado no processo.
Maria Tereza Tedde, do Salusse Marangoni Advogados, que assessora o credor que tenta a execução da sogra do devedor, considera essa nova decisão do TJ-SP “absolutamente legal, correta e técnica”. O arresto, nesse caso, diz, foi necessário até que se analise se houve fraude ou não.
No caso da sogra, já houve a comprovação de fraude à execução, segundo a advogada. Por isso, foi determinada a penhora – ou seja, os recursos podem ser direcionados para o pagamento da dívida. “É muito importante que o tribunal se posicione de maneira muito firme nesses casos, para não continuar passando a mensagem de que vale a pena dever.”
Para o advogado Luis Cascaldi, sócio do Martinelli Advogados, o Judiciário, às vezes, é resistente para a realização de pesquisas patrimoniais de terceiros ligados a devedores “Sempre fica aquela situação: o credor sabe que há patrimônio, mas tem que descobrir onde está”, diz. No caso analisado pelo TJ-SP, de acordo com Cascaldi, a situação é clara. “Quem mais pagaria a mensalidade de um dos colégios mais caros de São Paulo senão o pai? E se está pagando é porque tem recursos.”
Sócio Lincoln Leite para BBC News Brasil
Esposa grávida, três filhos e dois despejos em 2 meses: o drama dos inquilinos expulsos de casa durante pandemia
No caminho para casa depois do trabalho na noite de quarta (7), o motoboy Jucelio de Sousa Lima, de 39 anos, se pergunta como fará para pagar o aluguel neste mês.
O local em que vive com a esposa Michele — grávida de sete meses — e os três filhos, em Diadema, é a terceira moradia da família durante a pandemia, mas se não conseguirem R$ 600 para pagar o aluguel, poderão não ter para onde ir.
Antes da pandemia, Jucelio e família moravam em São Bernardo do Campo, em um apartamento alugado no Jardim Silvina. Quando a crise gerada pela covid-19 levou os chefes do pai de família a reduzirem seu salário, ficou impossível pagar o valor do aluguel.
“Ou a gente pagava as contas ou a gente comprava comida”, conta ele à BBC News Brasil.
O dono do apartamento pediu o imóvel de volta e a família ficou sem ter para onde ir. Com o que estava recebendo — menos de R$ 600 — e em meio à pandemia, Jucelio não conseguiu alugar outro lugar.
Desesperado, conta ele, pediu a líderes de uma ocupação que tinha visto em Diadema durante uma entrega de moto se poderia ficar no local. A ocupação do Jardim Ruyce, que ficava em um terreno vazio próximo à rodovia dos Imigrantes, foi feita por várias pessoas que ficaram desempregadas na pandemia.
“Eles arrumaram um espaço de 9 metros por 5 metros, mas se a gente não construísse um barraco em uma semana, ia perder mesmo isso”, conta ele.
Como ele usava uma moto da empresa no trabalho, Jucelio pôde vender sua moto, que usava para ganhar um dinheiro extra trabalhando após o expediente, para poder construir o barraco e não deixar a família desabrigada. A moto não rendeu muito; Jucelio também teve de pedir dinheiro emprestado ao irmão e aos chefes para poder comprar material de construção.
Ele mesmo construiu o barraco e levou seus móveis para a ocupação com ajuda de amigos. Tinha esperança de poder ficar ali por algum tempo, pelo menos até conseguir pagar as dívidas e comprar novamente uma moto.
Mas, em menos de 35 dias, Jucelio, Michele e os três filhos foram despejado de novo, ao lado de outras 179 famílias, quando o governo do Estado de São Paulo e a Ecovias conseguiram na Justiça ordem para remoção das famílias do local.
Idoso, doente e sem casa na pandemia
A situação de Jucelio não é nenhuma raridade, explica Talita Gonzales, da campanha Despejo Zero, uma reunião de voluntários de várias áreas e movimentos sociais que lutam nacionalmente para que famílias não sejam desabrigadas em meio à difícil situação imposta pela pandemia de covid-19.
“Vivemos, dezenas de famílias, na mesma situação: indo para a ocupação depois de despejadas e sendo despejadas de novo”, conta.
Um mapeamento do LabCidade, laboratório de urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, mostra que o número de remoções coletivas aumentou durante a pandemia na região metropolitana de São Paulo. Entre abril e junho deste ano, seis remoções levaram 1300 famílias a ficarem desabrigadas — o dobro do trimestre anterior (janeiro a março de 2020). Entre julho e setembro, foram oito novas remoções coletivas, atingindo 285 famílias.
Dados do Secovi (sindicato das empresas de habitação) mostram que metade dos inquilinos residenciais e comerciais pediram renegociação do aluguel durante a pandemia — 54% deles em julho e 50% em agosto. Mas muitos não conseguiram renegociar e precisaram sair.
Dados do Tribunal de Justiça de São Paulo indicam que houve um aumento na ações envolvendo contratos de locação durante a pandemia. Em junho foram 1.290, um aumento de 55,8% em relação a maio; a maioria (89%) por falta de pagamento. O número inclui também processos de imóveis comerciais. Em julho, o número aumentou ainda mais, para 1.600 processos.
São dados alarmantes, afirma a urbanista Raquel Rolnik, professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade, e que nem incluem os despejos informais — de pessoas em situações mais precárias que não tem contratos formais.
A situação levou a vários embates estressantes com imobiliárias, como no caso do aposentado Jorge Torres, um idoso de 79 com demência vascular.
Sua filha, a designer Renata Tonezi, conta que mesmo durante a pandemia estava pagando os aluguéis em dia, mas que a imobiliária, esqueceu de renovar o seguro-fiança no tempo certo e quis que Jorge fizesse um seguro de 30 meses em meio à pandemia — sendo que o contrato terminaria em 12.
A imobiliária não aceitou um seguro de 12 meses nem as alternativas oferecidas pela família. Desesperada com a possibilidade de um despejo, Renata correu para encontrar um lugar para seu pai.
“Ele nem está conseguindo entender o que está acontecendo, por que vai ter que sair da casa, é muito triste”, conta ela. “Eu converso com ele, mas no dia seguinte ele esquece”, explica Renata, que tem se revezado com o irmão para dar remédio e comida para o pai, que, por causa da doença, muitas vezes ele esquece de se alimentar sozinho.
“Ele foi para a casa (no Cursino, em São Paulo) justamente porque é perto da casa da minha mãe e do meu irmão e facilita para cuidarmos. Ele ser obrigado a sair em meio à pandemia é um transtorno muito grande para uma pessoa doente”, conta Renata. “A gente tentou resolver de forma amigável, mas não teve jeito.”
“É tão injusto. Eu chorei de raiva hoje, porque nunca deixamos de pagar, sempre cuidamos da casa” diz Renata.
A BBC News Brasil questionou a imobiliária sobre o caso por e-mail e por telefone, mas não obteve resposta.
Epidemia de despejos
“No observatório de remoções do LabCidade acompanhamos os casos de remoções coletivas, e, mesmo com dificuldade de conseguir dados, mapeamos muitos casos. Se você considerar os despejos individuais e os informais, então é um número enorme, é uma verdadeira epidemia”, afirma Rolnik.
“Com a crise econômica e agravamento do desemprego, já estávamos observando um aumento nas ocupações. Na pandemia isso se agravou ainda mais e surgiram muitas novas ocupações, de gente que morava pagando aluguel em favelas e não conseguem mais pagar, ou seja, são despejadas das favelas e acabam em ocupações, em situação ainda mais precária”, diz ela.
O primeiro despejo de Jucelio, quando precisou sair do apartamento em São Bernardo, é um desses casos que não estão nas estatísticas — ele não conseguiu pagar, o dono pediu o apartamento e ele devolveu, não chegou a haver uma ação judicial.
A remoção da ocupação, conta, foi ainda mais traumática, porque os moradores tinham uma liminar que impedia o Estado de fazer a remoção, então acharam que não iam precisar sair. Mas, de última hora, o governo conseguiu uma decisão judicial derrubando a liminar.
“A gente não sabia, teve gente que foi trabalhar e deixou todas as coisas, perdeu tudo. Eu consegui salvar a geladeira, a TV e a máquina de lavar, mas perdemos uma cômoda com todas as roupas de bebê que tínhamos ganhado, uma carteira com parte do pagamento da moto, vários documentos. Foi horrível, eles chegaram com retroescavadeiras e simplesmente derrubaram tudo”, conta Jucelio.
Logo depois da remoção, um incêndio na ocupação destruiu pertences que ainda estavam em meio aos escombros. Diversas pessoas ficaram feridas e tiveram que ser levadas ao hospital, segundo relatos das famílias.
À época, a Ecovias disse em nota que comunicou as famílias 15 dias antes, mas reconheceu que a data da reintegração de posse não estava marcada. A justificativa seria o risco pelo fato da ocupação estar próxima à rodovia. Nem o governo do Estado, dono do terreno sob concessão da Ecovias, nem a prefeitura de Diadema, onde ficava a ocupação, ofereceram assistência às famílias.
“Discussão do risco é muito importante, de fato, tem áreas em que as pessoas estão sujeitas a riscos como deslizamento e enchente. Mas o problema quando se fala em risco é que ele precisa ser avaliado individualmente, fazer um laudo, examinar em outra escala, não em baciada”, afirma Raquel Rolnik, da FAU.
“Ninguém vai se pendurar numa pirambeira numa situação vulnerável se tiver alternativas. Hoje se olha áreas sujeitas a risco e tira-se as pessoas, não se atende ninguém, e muitas vezes as pessoas vão embora para uma situação de risco ainda maior”, diz a urbanista.
Jucelio, felizmente, conseguiu ajuda de uma conhecida para alugar informalmente uma casa em Diadema e ajuda das professoras dos três filhos para comprar comida e roupas, mas sua situação ainda é de total insegurança.
“Estou pagando os empréstimos que usei para construir, recebi meu salário ontem e tive que pagar tudo para o meu patrão, que tinha me emprestado. Ou seja, não recebi nada. Não sei como vou fazer. É uma situação muito constrangedora, muito humilhante”, diz ele, com medo de ter de mudar novamente sem saber para onde.
Mas despejos na pandemia são permitidos?
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma resolução aconselhando que os tribunais não despejassem pessoas na pandemia, mas é apenas uma orientação, não uma regra, explica advogado Lincoln Romão Leite, especialista em Direito Imobiliário do escritório Neves, De Rosso e Fonseca Advogados.
Durante a pandemia, o Congresso aprovou uma lei proibindo despejos por decisões liminares (preliminares e temporárias, normalmente dadas com rapidez). A proibição foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas passou a valer quando o Congresso derrubou o veto — alguns dias após a remoção da ocupação de Jucelio através de uma liminar.
No entanto, explica Romão Leite, decisões normais de despejo, que não sejam dadas por liminar, continuam valendo.
Boa parte dos casos, no entanto, nem chegam à Justiça, como o de Jorge Torres.
Sua filha Renata conta que a imobiliária nem chegou a passar à proprietária do imóvel as propostas de outras formas de garantia que a família ofereceu quando descobriu que a empresa tinha esquecido de renovar o seguro fiança.
“Eles queriam que fizéssemos uma seguro de 30 meses, sendo que o contrato terminava em um ano”, conta ela. “Nós oferecemos outras garantias, como caução ou outras corretoras de seguro que aceitassem menos meses, mas eles disseram que a proprietária não topou. Depois conversando com a proprietária, descobri que eles nem apresentaram nossa proposta para ela”, conta Renata.
“Imagina, um seguro para 30 meses ficaria muito mais caro, a gente não tem condições”, conta Renata. “A gente nem pediu desconto no aluguel na pandemia, só queríamos uma solução amigável para a questão da garantia”, conta ela.
“A imobiliária está querendo cobrar a multa por (encerramento) do contrato, sendo que foram eles que obrigaram meu pai a sair”, conta ela, que tentou um acordo com a empresa sem sucesso. A imobiliária, Dinamar Imóveis, não respondeu os contatos feitos pela BBC News Brasil sobre o caso.
No fim, a única solução encontrada pela família foi o idoso ir morar com a ex-esposa, mãe de Renata. “Eles estavam separados havia 15 anos, mas ela se sensibilizou”, conta a filha.
“Ser desalojado já é um processo traumático e com consequências gravíssimas em termos normais. Na pandemia a situação é ainda muito mais grave”, afirma Rolnik.
“A gente viu situações que chama de ‘transitoriedade permanente’, de pessoas que chegaram a ser removidas 8 vezes. E o principal conselho das autoridades de saúde é ‘fique em casa’. Como promover essa medida se as pessoas estão sendo desalojadas?”
Sócio Lincoln Leite fala à Revista Veja
Preço dos aluguéis dispara; saiba como negociar valores
Com alta do IGP-M, preços das locações na capital paulista cresceram; isso em meio à pandemia, quando muitos perderam o emprego ou tiveram redução de renda
Por César Costa – Disponível também em: vejasp.abril.com.br/cidades/preco-alugeis-dispara-situacao
Os preços dos aluguéis tiveram um grande aumento. O principal motivo é a alta do Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M). De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), em setembro o aumento foi de 4,34%, resultando em um índice acumulado de 14,40% no ano e de 17,94% nos últimos 12 meses. Para efeito de comparação, no mesmo mês do ano passado o índice havia caído 0,01% e acumulava alta de 3,37% em 12 meses.
Para compreender melhor o cenário, VEJA São Paulo conversou com Lincoln Romão Leite, advogado do Neves, De Rosso e Fonseca Advogados. Especialista nas área de Direito Civil e Processual Civil, ele explica como negociar o preço do aluguel, que aumenta em meio à pandemia do coronavírus, quando muitas pessoas perderam o emprego ou tiveram redução no salário.
Por que os preços estão aumentando?
O índice do IGP-M acumulado está bem alto e ele é usado em contratos de locação para reajustar o valor do aluguel. Por consequência, com esse índice acumulado, o reajuste tem sido bastante considerável para quem paga aluguel.
Além disso, é preciso ficar atento se o aumento do aluguel está relacionado só ao IGP-M. Alguns lugares específicos estão sofrendo uma movimentação da demanda. Muita gente optou na pandemia por sair da capital ou até buscar apartamentos maiores para viver. Então, ao mesmo tempo que temos alguns espaços vagos, outros estão experimentando uma demanda muito mais aquecida, e isso vai influenciar no valor dos aluguéis.
O que motiva o crescimento do IGP-M?
O IGP-M é composto por outros três índices. Um desses índices está muito atrelado ao dólar. Como o dólar vem subindo muito recentemente, o IGP-M subiu também.
Qual seria a melhor maneira dos locadores lidarem com esse cenário?
Os locadores têm uma situação bastante peculiar hoje, pois não estão trabalhando só com o aumento do IGP-M, mas também com uma grande movimentação no mercado imobiliário por conta desse reflexo da pandemia. Há pessoas precisando se mudar por necessidade de pagar um aluguel mais baixo. Outras estão sofrendo com perda de emprego ou redução de trabalho, entre outros fatores.
Outros locadores estão enfrentando uma situação inversa e atípica. Uma alta procura por moradias e imóveis. E tudo tem que ser negociável: uma vez que o índice seja previsto no contrato, é direito do proprietário cobrar esse reajuste. Mas também é necessário observar se é interessante isso. Ele pode perder o inquilino e, por consequência, ter a dificuldade de repor. Então, a melhor solução é conversar e negociar, podendo alterar o índice de referência ou recompor esse valor de outra forma.
Como o inquilino pode enfrentar os aumentos dos valores?
O inquilino residencial está numa situação mais sensível, de pagar o aluguel para morar. Basicamente a situação demanda negociação. As opções que os inquilinos possuem são, na verdade, ferramentas para tentar negociar melhor:
- Verificar os alugueis dos vizinhos e região: é preciso analisar o prazo do contrato. Normalmente, os contratos de locação residencial são de 30 meses. Depois disso, ele é renovado anualmente. Se a pessoa estiver numa situação em que ela reside no imóvel há muito tempo com o contrato ainda sem renovação, vale a pena pesquisar na região o quanto os vizinhos estão pagando ou tentar ir até uma imobiliária para saber qual o valor médio daquelas redondezas. Existe a possibilidade de a pessoa estar pagando até abaixo do que está sendo pago no mercado.
- Demonstrar que vem pagando sempre em dia o aluguel, que não dá trabalho para o proprietário ou para a imobiliária, que possui condições de continuar pagando em dia desde que aplicado um reajuste mais justo.
- Se o locador não se mostrar aberto à negociação, vale sempre sugerir algo, não simplesmente pedir para reduzir sem nenhuma alternativa. O inquilino pode sugerir, por exemplo, a aplicação de outro índice de reajuste.
- Se não houver acordo por uma via amigável, também é possível entrar na Justiça para resolver a situação – o que não é uma alternativa interessante. Os valores gastos no judiciário para discutir um contrato de locação e o índice de reajuste, ou somente essa variação do valor do aluguel, é mais do que o lucro gerado negociando ou optando por se mudar para outro imóvel, por exemplo.
Ultimamente tem crescido o uso do que nós chamamos no direito de métodos adequados de solução de disputas, que incluem a conciliação, a negociação e a mediação como alternativas ao Poder Judiciário. Já existem plataformas online que prestam esses serviços e que podem ser utilizadas pelas partes, mas é necessário também que elas verifiquem os custos envolvidos. Algumas plataformas cresceram muito na pandemia, tais como a MOL.
Então não compensa entrar na Justiça?
O judiciário deve ser recorrido em último caso. Se a pessoa tiver condição de renda dificultada pela pandemia, ela tem possibilidade de pedir uma gratuidade de Justiça comprovando que não possui condições de arcar com as despesas do processo.
No entanto, o caminho judicial pode ser viável para quem precisar revisar um contrato de locação comercial. Nesses casos, se não houver acordo entre locador e locatário, a revisão na Justiça pode ser a única via para que o locatário tente manter o equilíbrio do contrato e, por consequência, a manutenção do seu ponto comercial.
Quais são as projeções para o futuro?
Nos próximos meses, o IGP-M deve continuar subindo e a melhora da situação depende de uma melhora do cenário econômico do Brasil. O IGP-M está atrelado com a variação do dólar. Se o dólar abaixar, a tendência é que o índice também abaixe, mas não de imediato. Com o tempo ele deve voltar para um patamar mais razoável. Esperamos também que, com a vacina da Covid-19, aconteça uma melhora na situação econômica. A retomada atual da economia está acontecendo aos poucos, mas, de forma global, todos estão com um pé atrás.
NOVO COMUNICADO – CORONAVÍRUS (COVID-19)
Em sintonia com o momento atual e em continuidade às medidas de prevenção e reorganização de nossas atividades que já vem sendo adotadas pelo NDF decorrentes da pandemia do coronavírus (COVID-19), informamos que nossas unidades estão abertas em horário comercial, ainda com um número reduzido de pessoas.
A maior parte da equipe segue trabalhando em home office, mas permanecemos conectados e à disposição dos nossos clientes.
A comunicação via e-mail segue inalterada, os telefones centrais de nossas unidades estão ativos e com redirecionamento para colaborador que fará o atendimento e tratamento da chamada, além de nossas redes sociais:
Telefones:
- Unidade SP – (55 11) 3174-1010
- Unidade RN – (55 84) 3221-0944
- Celular – (55 11) 95708-2831
E-mails:
Redes sociais:
O atendimento aos clientes e o desenvolvimento de nossas atividades continuarão a ser realizados com a mesma segurança, cuidado e comprometimento.
Qualquer outra mudança, manteremos todos informados.
Esse é um momento atípico e estamos fazendo tudo que está ao nosso alcance para que a situação volte ao normal o mais breve possível.
Webinar “Arbitragem como Meio de Resolução de Conflito”
A transmissão ao vivo contou com a participação do presidente da seccional da OAB do Rio Grande do Norte, Aldo Medeiros, do diretor do Centro Brasileiro de Mediação de Arbitragem, Joaquim Muniz, o professor da UFRN Diogo Pignataro, presidente da Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem da FIERN e membro da Comissão de Arbitragem do Conselho Federal da OAB, além de Arnaldo Lázaro, presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB-RN, como debatedor; com mediação de Rossana Fonseca, vice-presidente da seccional da OAB do Rio Grande do Norte.
O presidente Amaro Sales lembrou que a decisão de criar a Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem na Federação, há seis anos, se deu em função dos pedidos da classe empresarial mediante a morosidade do Poder Judiciário. E para isso, visitou diversas instituições para conhecer o modelo. “A Câmara de Arbitragem vem atuando nesses anos e passa a ter uma maior demanda neste período também em virtude da pandemia. A Câmara tem esse novo instrumento de solução, que é a arbitragem, a mediação, a conciliação e dispõe de uma equipe qualificada. Participar deste evento é, para mim, um grande aprendizado”, afirmou.
Este ano, como forma de dar suporte às empresas potiguares em meio a pandemia de Covid-19, o Sistema FIERN firmou parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RN) para ampliar o alcance da Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem da FIERN, com o objetivo de oferecer um serviço de mediação na renegociação de contratos de financiamentos bancários de empresas junto às instituições financeiras.
Aldo Medeiros, presidente da OAB/RN, destacou que o debate vem no contexto de como será o futuro, o chamado “novo normal”, mediante dificuldades de acesso aos tribunais e com uso cada vez maior de plataformas digitais, em detrimento das instalações físicas de escritórios de advocatícia, e ainda em meio a necessidade de alternativa ao Poder Judiciário. “É importante apresentar institutos eficazes para resolver os conflitos a partir da arbitragem e mediação, mecanismos extrajudiciais, como forma de dar maior celeridade nos resultados”.
Medeiros também enfatizou a parceria com a FIERN, por meio do convênio com a Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem da FIERN que permitirá difundir as práticas, bem como antecipou a iniciativa da entidade buscando em articular cursos de formação na área junto a Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte.
Sobre a parceria, o presidente da Câmara, Diogo Pignataro, destacou a necessidade de os advogados conhecerem mais sobre esses institutos extrajudiciais importantes para a resolução de conflitos. O instrumento ainda é pouco difundido na região Nordeste. “É importante incutir na formação e cultura dos estudantes de Direito e de advogados a difusão da arbitragem, importante instrumento de resolução de conflitos patrimoniais de forma mais ágil”, pontuou.
Ele explica que a Câmara de Arbitragem abrange em sua finalidade a resolução de conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, tudo aquilo que possa ser convertido em valor. Nas mais diversas searas, desde disputas societárias, questões das mais diversas envolvendo todo e qualquer tipo de contratos, conflitos trabalhistas e demandas com a Administração Pública. “Há o mito de estar restrito ao direito empresarial, mas que também se aplica aos conflitos patrimoniais, societários, relações trabalhistas e até de direito de família”, disse.
Para Pignataro, o fato de estar sediada e abarcada em uma instituição representativa, a Câmara de arbitragem da FIERN dar maior grau de previsibilidade, de confiança, uma segurança maior sobre os procedimentos e os custos envolvidos. “A FIERN dá um importante apoio institucional. A parceria entre FIERN e OAB/RN é uma demonstração clara de que empresários e advogados caminham para poder resolver os conflitos de um modo diferente, pela via arbitral”, disse.
As maiores vantagens da arbitragem para as empresas consistem na especialização dos julgadores e a rapidez em que um processo pode ser solucionado. Isto porque a Câmara age na solução de conflitos e na resolução de controvérsias com o método litigioso de forma não judicial. As decisões, no entanto, têm o mesmo valor das dadas pelo Poder Judiciário, o que atribui um julgamento mais rápido do que seria na Justiça. “Arbitragem não é um concorrente do Poder judiciário, não veio suplantar o Judiciário, mas para causas que não se adequam a morosidade, de forma que exista uma alternativa para que as partes possam escolher, em vez da via tradicional, ir para uma via direcionada, mas com os mesmos efeitos jurídicos de uma decisão judicial”, frisou Diogo Pignataro.
O diretor do Centro Brasileiro de Mediação de Arbitragem, Joaquim Muniz, analisa que a arbitragem tem crescido no país, com um impacto positivo no mercado de trabalho do Direito, uma vez que os operadores podem atuar como árbitro e como advogado na arbitragem. A arbitragem cresce em três direções, a de valores, a de áreas que vai desde a societária, trabalhista e esportiva, e do ponto de vista geográfico. Sobre a iniciativa potiguar, a projeção segundo ele é de ser uma forte realidade no RN. “A Arbitragem aqui tem capital humano para ser um centro de excelência no rio Grande do Norte”, afirmou.
Em sua palestra, Muniz abordou alguns mitos sobre o instrumento de arbitragem, entre eles a confusão entre arbitragem e mediação, que são institutos diferentes sendo o último voltado a acordos; Há ainda a ideia que por ser mais ágil que o Judiciário, é imediata o que não corresponde; a de que vale mais pelo custo-benefício, nesse sentido ele explica que a arbitragem é um processo mais especializado, que é pago e em termos absolutos pode ser mais caro que o Judiciário. No entanto, há meios de reduzir as custas; entre outros pontos.
De acordo com o presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB/RN, Arnaldo Lázaro, o convênio firmado entre a FIERN e a OAB para levar a informação sobre a importância da dinâmica de funcionamento da arbitragem, por meio da Câmara da FIERN. “O projeto tem causas de grande relevância no estado. O Poder Judiciário do RN não tem vara especializada em causa do Direito Empresarial o que faz ser muito importante levar a informação de que os árbitros podem assumir esse lugar na solução dos conflitos”, disse.
Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem da FIERN
A Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem da FIERN está em funcionamento há seis anos e tem por objetivo administrar procedimentos nestas três áreas de forma autônoma e independente, prestando o assessoramento e assistência, com a consequente condução e finalização. Atualmente, é presidida pelo advogado e professor universitário Diogo Pignataro.
A Câmara Mediação, Conciliação e Arbitragem age na solução de conflitos e na resolução de controvérsias com o método litigioso de forma não judicial. Apesar disso, as decisões têm o mesmo valor das dadas pelo Poder Judiciário. E aos que optam por esta modalidade, podem ter um julgamento mais rápido do que seria na Justiça.
Fonte: fierg.org.br
Uma decisão monocrática que precisa ser revertida
Matéria publicada no Jornal O Estado de S. Paulo: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/uma-decisao-monocratica-que-precisa-ser-revertida/
I – O FATO
Em 9 de julho deste ano, durante o plantão, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, concedeu prisão domiciliar para Queiroz e sua mulher, alegando questões de saúde do ex-assessor e que a prisão preventiva foi proferida por juiz sem atribuição para o caso, já que o Tribunal de Justiça do Rio decidiu enviar a investigação para o órgão especial do TJ.
Segundo o site Poder 360, o Ministério Público Federal recorreu contra a decisão de Noronha, que concedeu prisão domiciliar a Fabrício Queiroz e à mulher dele, Márcia Aguiar.
Destaco o pronunciamento do subprocurador-geral da República Roberto Luís Oppermann Thomé.
Ele aponta a “inexistência de ilegalidade” na prisão preventiva de Queiroz, cita que a jurisprudência impede a concessão de benefícios para alvos foragidos, como era o caso de Márcia Aguiar, e solicita que seja restabelecida a prisão deles.
“Conquanto cediços cultura jurídica e espírito público do ínclito Ministro Presidente, sua v. decisão monocrática, ora agravada, merece integral reforma para que se respeite até mesmo a percuciente, abalizada e escorreita fundamentação lavrada em oito de dez laudas pela inexistência de ilegalidade alguma na necessária constrição judicial cautelar, e mesmo se resgate o respeito à iterativa jurisprudência pátria que rechaça concessão de benesses a pessoas que se encontrem foragidas da Justiça”, escreveu o subprocurador.
Ao final da manifestação, ele solicita que o relator conceda monocraticamente a reforma da decisão ou leve o assunto para a Quinta Turma do STJ.
II – A PRISÃO DOMICILIAR
Discute-se com relação a possibilidade de concessão de benefício de prisão domiciliar.
A prisão domiciliar é uma forma alternativa de cumprimento da prisão preventiva; em lugar de manter o preso em cárcere fechado é inserido em recolhimento ocorrido em seu domicílio, durante 24 horas.
Cuida-se de uma faculdade do juiz, atendendo às peculiaridades do caso concreto, desde que respeitado algum dos seguintes requisitos: a) ser o agente maior de 80 anos; b) estar o agente extremamente debilitado por motivo de doença grave; c) ser o agente imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos ou com deficiência; d) ser gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
A prisão domiciliar não pode ser banalizada, estendendo-se a outros presos, diversos do que estão elencados, expressamente nos incisos I a IV do artigo 318 do CPP.
A precariedade do estado de saúde do preso, na situação prisional a que se acha submetida, quer parecer que há violação à norma constitucional que determina, ao estado e a seus agentes, o respeito efetivo à integridade física da pessoa sujeita à custódia do Poder Público (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).
Ademais, o art. 40, da LEP, exige de todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios; sendo que o direito à saúde vem reafirmado no art. 41, VII, do mesmo Diploma. E mais, atualmente o próprio Código de Processo Penal veio a disciplinar a prisão domiciliar para presos, sejam provisórios ou condenados. O ministro Luis Roberto Barroso, no passado, se manifestou a favor da prisão domiciliar monitorada para criminosos não violentos. Defendeu essa posição, na conferência de encerramento da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em Curitiba, em 24 de novembro de 2011. Foram as seguintes as suas palavras:“ No sistema penitenciário, é preciso não apenas dar condições mínimas de dignidade às unidades prisionais, como também pensar soluções mais baratas e civilizatórias. Como, por exemplo, a utilização ampla de prisões domiciliares monitoradas, em lugar do encarceramento. Quem fugir ou violar as regras, aí, sim, vai para o sistema. Para funcionar, tem de haver fiscalização e seriedade. Não desconheço as complexidades dessa fórmula, a começar pela circunstância de que muita gente sequer tem domicílio. Mas em muitos casos ela seria viável”.
Afirmou Paulo Rangel (Direito processual penal, 20ª edição, pág. 880) que “a prisão domiciliar processual nã se confunde com a medida cautelar de recolhimento domiciliar em período noturno. Aqui (artigo 317) o indivíduo está preso processualmente, isto é, existe um mandado de prisão em seu desfavor, mas que será cumprido em sua residência por preencher os requisitos na lei. No recolhimento domiciliar (artigo 319, V), há uma medida também cautelar, mas que limita o ius libertatis do indivíduo apenas durante o repouso noturno e nos dias de folga, desde que tenha residência e trabalhos fixos.
Nessa linha de pensar Guilherme de Souza Nucci (Prisão e liberdade, São Paulo, ed. RT, pág. 77) lembra que o acolhimento de doença grave, previsto no artigo 117 da Lei de Execucões Penais, tornou-se, com a Lei 12.403/11, que disciplina a matéria, no artigo 318, II, do Código de Processo Penal, extrema debilidade por motivo de doença grave. Portanto, não basta a presença de grave enfermidade, sendo igualmente necessário que o apenado esteja por ela bastante debilitado.
O Superior Tribunal de Justiça, porém, tem entendimento, do que se vê do julgamento do HC 246.419 –SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 28 de maio de 2013, de que se pode conceder ao condenado em regime fechado ou semiaberto o benefício de prisão domiciliar, quando resta demonstrado que o recluso é portador de doença grave e que não é possível a prestação da devida assistência médica no estabelecimento penal em que esteja recolhido, fundamento esse reiterado ainda no julgamento do HC 271.060 –SP e no julgamento do HC 152.252 –MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
Não bastam meras alegações de que o investigado se encontra acometido de enfermidade, mas se requer a demonstração inequívoca da debilidade extrema, bem como da impossibilidade de tratamento no estabelecimento prisional.
É firme a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido de que o deferimento da substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, nos termos do art. 318, inciso II, do Código de Processo Penal, depende da comprovação inequívoca de que o réu esteja extremamente debilitado, por motivo de grave doença, aliada à impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra, não bastando para tanto a mera constatação de que o recorrente sofre de doença que necessita de tratamento.
Ausente a demonstração inequívoca de que o estado de saúde do investigado se encontre seriamente comprometido ou mesmo que não esteja recebendo o tratamento adequado no estabelecimento onde está recolhido, não se faz possível a concessão de prisão domiciliar (RHC n. 96.540/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 13/8/2019, DJe 29/8/2019).
Ora, se a decretação da prisão preventiva restou devidamente motivado com base na gravidade concreta do crime, considerado o modus operandi, na periculosidade do ora investigado, no riscoda reiteração delitiva, de obstrução à instrução criminal para produção das provas e de aplicação da lei penal, ressaltando-se ainda a condição de foragida da ora investigada, tudo está a demonstrar a insuficiência da aplicação das medidas alternativas previstas no artigo 319 do CPP
Será que o estabelecimento em que estava detido Queiroz era incapaz de fornecer cuidados médicos para a doença que diz ter? O estabelecimento prisional apontado não seria capaz de cuidar de um preso por conta das consequências da covid-19?
III – A APLICAÇÃO DO CPC DE 2015
O presidente do STJ João Otávio Noronha concedeu prisão domiciliar para Queiroz e sua mulher, alegando questões de saúde do ex-assessor e que a prisão preventiva foi proferida por juiz sem atribuição para o caso, já que o Tribunal de Justiça do Rio decidiu enviar a investigação para o órgão especial do TJ.
Com o devido respeito, entendo que a decisão proferida por juiz que venha a ser considerado absolutamente incompetente não traz necessariamente a nulidade de prisão preventiva por ele conferida.
A matéria deve merecer aplicação do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o próprio CPP permite a aplicação da lei processual civil de forma subsidiária.
A esse respeito, Daniel Amorim Assumpção Neves ensinou: “No novo diploma processual o tratamento passa a ser homogêneo, prevendo o art. 64, § 4º do Novo CPC que os atos praticados por juízo incompetente são válidos, devendo ser revistos ou ratificados (ainda que tacitamente) pelo juízo competente. Significa dizer que durante o período de trânsito dos autos, que compreende a remessa dos autos pelo juízo que se declarou incompetente e sua chegada ao juízo competente, todos os atos já praticados continuaram a gerar efeitos, ficando a continuidade da eficácia de tais atos condicionados à postura a ser adotada pelo juízo competente que receberá os autos” (Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Editora JusPodium, 2016. p. 166).
O Código de Processo Penal não trata do assunto de forma contrária ao NCPC.
Embora o art. 567 do CPP disponha que “a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente”, a leitura desse dispositivo em conjunto com o art. 563 daquele diploma normativo permite inferir que, mesmo na seara processual penal, o aplicador da lei deverá sempre procurar a convalidação e o aproveitamento dos atos processuais praticados.
O art. 64, § 4º, do CPC vigente, adotando orientação inovadora, optou por homenagear a estabilidade e estimular o aproveitamento dos atos praticados pelo juízo reconhecido como incompetente, conservando seus efeitos até a ulterior e necessária manifestação do juiz natural da causa.
O § 4º do art. 64 do CPC de 2015 dispõe que os efeitos das decisões serão conservados, “salvo decisão judicial em sentido contrário”. O legislador conferiu ao órgão de cassação, portanto, uma espécie de poder geral de cautela, a fim de que, nos casos em que tal se fizer necessário, proceda esse último, de imediato, à análise da conveniência de se manter um ou mais atos decisórios.
V – CONCLUSÕES
A decisão acima historiada foge dos parâmetros aqui apresentados. E mais, permite que uma pessoa foragida da justiça consiga retornar ao convívio do marido sob o pretexto de exercer deveres do casamento, como o tratamento ao cônjuge.
O STJ (Superior Tribunal de Justiça), que concedeu prisão domiciliar para Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, por causa da Covid-19, já negou o mesmo benefício para o preso acusado de furtar dois xampus, de R$ 10 cada.
A decisão contrária ao jovem foi do ministro Felix Fischer. Em seu despacho, ele citou decisão de outro ministro do STJ, Rogerio Schietti Cruz.
Segundo o Estadão, o ministro Noronha negou um pedido da Defensoria Pública do Ceará para tirar da cadeia presos de grupos de risco, como idosos e gestantes, em virtude da pandemia do novo coronavírus. A pandemia e o estado de saúde de Queiroz foram argumentos usados pela defesa do ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para tirá-lo do presídio de Bangu.
Em fevereiro de 2020, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, negou pedido de liminar para que uma mulher acusada de tráfico de drogas, mãe de três filhos menores de 12 anos, pudesse cumprir a prisão preventiva em regime domiciliar.
O ministro Noronha considerou hipótese de situação excepcional e negou prisão domiciliar a mãe de menores
Para o ministro, as circunstâncias do caso podem caracterizar situação excepcional que impediria o benefício da prisão domiciliar, previsto nos artigos 318 e 318-A do Código de Processo Penal (CPP).
Lembro que no julgamento do HC 337183, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, enquanto eventual ilegalidade da ordem de prisão preventiva não for reconhecida pelo próprio Poder Judiciário, o réu não pode alegar um suposto direito à fuga para pretender que sua condição de foragido seja desconsiderada como fundamento do decreto prisional.
Ora, se a decretação da prisão preventiva restou devidamente motivado com base na gravidade concreta do crime, considerado o modus operandi, na periculosidade do ora investigado, no riscoda reiteração delitiva, de obstrução à instrução criminal para produção das provas e de aplicação da lei penal, ressaltando-se ainda a condição de foragida da ora investigada, tudo está a demonstrar a insuficiência da aplicação das medidas alternativas previstas no artigo 319 do CPP.
De acordo com o ministro Schietti, se a autoridade judiciária competente decreta a preventiva com fundamento na fuga do réu, ou se essa condição de foragido passa a ser considerada posteriormente para sustentar a ordem, justifica-se a manutenção do decreto prisional como meio de assegurar a aplicação da lei penal, com base no artigo 312 do CPP.
“Se pretende continuar foragido, a prolongar, portanto, o motivo principal para o decreto preventivo, é uma escolha que lhe trará os ônus processuais correspondentes, não podendo o Judiciário ceder a tal opção do acusado”, concluiu o ministro ao negar o habeas corpus.
Destaco, ao final, trecho daquele voto: “Logo, e trazendo o discurso para o caso concreto, se a autoridade judiciária competente decreta, fundamentadamente, uma prisão preventiva porque o réu está foragido ou porque tal condição passou a ser sopesada em decisão posterior à original, justifica-se, em tese, a manutenção da cautela extrema, na forma do art. 312 c/c 282 do CPP, para assegurar eventual aplicação da lei penal. E, enquanto essa ordem não for invalidada pelo próprio Poder Judiciário, não lhe poderá opor o sujeito passivo da medida um suposto” direito à fuga ” como motivo para pretender que seu status de foragido seja desconsiderado como fundamento da prisão provisória.”
Aguardemos o julgamento do recurso ajuizado, objetivando desconstituir a decisão historiada acima que poderá criar graves precedentes.
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