Sócio Lincoln Leite para BBC News Brasil
Esposa grávida, três filhos e dois despejos em 2 meses: o drama dos inquilinos expulsos de casa durante pandemia
No caminho para casa depois do trabalho na noite de quarta (7), o motoboy Jucelio de Sousa Lima, de 39 anos, se pergunta como fará para pagar o aluguel neste mês.
O local em que vive com a esposa Michele — grávida de sete meses — e os três filhos, em Diadema, é a terceira moradia da família durante a pandemia, mas se não conseguirem R$ 600 para pagar o aluguel, poderão não ter para onde ir.
Antes da pandemia, Jucelio e família moravam em São Bernardo do Campo, em um apartamento alugado no Jardim Silvina. Quando a crise gerada pela covid-19 levou os chefes do pai de família a reduzirem seu salário, ficou impossível pagar o valor do aluguel.
“Ou a gente pagava as contas ou a gente comprava comida”, conta ele à BBC News Brasil.
O dono do apartamento pediu o imóvel de volta e a família ficou sem ter para onde ir. Com o que estava recebendo — menos de R$ 600 — e em meio à pandemia, Jucelio não conseguiu alugar outro lugar.
Desesperado, conta ele, pediu a líderes de uma ocupação que tinha visto em Diadema durante uma entrega de moto se poderia ficar no local. A ocupação do Jardim Ruyce, que ficava em um terreno vazio próximo à rodovia dos Imigrantes, foi feita por várias pessoas que ficaram desempregadas na pandemia.
“Eles arrumaram um espaço de 9 metros por 5 metros, mas se a gente não construísse um barraco em uma semana, ia perder mesmo isso”, conta ele.
Como ele usava uma moto da empresa no trabalho, Jucelio pôde vender sua moto, que usava para ganhar um dinheiro extra trabalhando após o expediente, para poder construir o barraco e não deixar a família desabrigada. A moto não rendeu muito; Jucelio também teve de pedir dinheiro emprestado ao irmão e aos chefes para poder comprar material de construção.
Ele mesmo construiu o barraco e levou seus móveis para a ocupação com ajuda de amigos. Tinha esperança de poder ficar ali por algum tempo, pelo menos até conseguir pagar as dívidas e comprar novamente uma moto.
Mas, em menos de 35 dias, Jucelio, Michele e os três filhos foram despejado de novo, ao lado de outras 179 famílias, quando o governo do Estado de São Paulo e a Ecovias conseguiram na Justiça ordem para remoção das famílias do local.
Idoso, doente e sem casa na pandemia
A situação de Jucelio não é nenhuma raridade, explica Talita Gonzales, da campanha Despejo Zero, uma reunião de voluntários de várias áreas e movimentos sociais que lutam nacionalmente para que famílias não sejam desabrigadas em meio à difícil situação imposta pela pandemia de covid-19.
“Vivemos, dezenas de famílias, na mesma situação: indo para a ocupação depois de despejadas e sendo despejadas de novo”, conta.
Um mapeamento do LabCidade, laboratório de urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, mostra que o número de remoções coletivas aumentou durante a pandemia na região metropolitana de São Paulo. Entre abril e junho deste ano, seis remoções levaram 1300 famílias a ficarem desabrigadas — o dobro do trimestre anterior (janeiro a março de 2020). Entre julho e setembro, foram oito novas remoções coletivas, atingindo 285 famílias.
Dados do Secovi (sindicato das empresas de habitação) mostram que metade dos inquilinos residenciais e comerciais pediram renegociação do aluguel durante a pandemia — 54% deles em julho e 50% em agosto. Mas muitos não conseguiram renegociar e precisaram sair.
Dados do Tribunal de Justiça de São Paulo indicam que houve um aumento na ações envolvendo contratos de locação durante a pandemia. Em junho foram 1.290, um aumento de 55,8% em relação a maio; a maioria (89%) por falta de pagamento. O número inclui também processos de imóveis comerciais. Em julho, o número aumentou ainda mais, para 1.600 processos.
São dados alarmantes, afirma a urbanista Raquel Rolnik, professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade, e que nem incluem os despejos informais — de pessoas em situações mais precárias que não tem contratos formais.
A situação levou a vários embates estressantes com imobiliárias, como no caso do aposentado Jorge Torres, um idoso de 79 com demência vascular.
Sua filha, a designer Renata Tonezi, conta que mesmo durante a pandemia estava pagando os aluguéis em dia, mas que a imobiliária, esqueceu de renovar o seguro-fiança no tempo certo e quis que Jorge fizesse um seguro de 30 meses em meio à pandemia — sendo que o contrato terminaria em 12.
A imobiliária não aceitou um seguro de 12 meses nem as alternativas oferecidas pela família. Desesperada com a possibilidade de um despejo, Renata correu para encontrar um lugar para seu pai.
“Ele nem está conseguindo entender o que está acontecendo, por que vai ter que sair da casa, é muito triste”, conta ela. “Eu converso com ele, mas no dia seguinte ele esquece”, explica Renata, que tem se revezado com o irmão para dar remédio e comida para o pai, que, por causa da doença, muitas vezes ele esquece de se alimentar sozinho.
“Ele foi para a casa (no Cursino, em São Paulo) justamente porque é perto da casa da minha mãe e do meu irmão e facilita para cuidarmos. Ele ser obrigado a sair em meio à pandemia é um transtorno muito grande para uma pessoa doente”, conta Renata. “A gente tentou resolver de forma amigável, mas não teve jeito.”
“É tão injusto. Eu chorei de raiva hoje, porque nunca deixamos de pagar, sempre cuidamos da casa” diz Renata.
A BBC News Brasil questionou a imobiliária sobre o caso por e-mail e por telefone, mas não obteve resposta.
Epidemia de despejos
“No observatório de remoções do LabCidade acompanhamos os casos de remoções coletivas, e, mesmo com dificuldade de conseguir dados, mapeamos muitos casos. Se você considerar os despejos individuais e os informais, então é um número enorme, é uma verdadeira epidemia”, afirma Rolnik.
“Com a crise econômica e agravamento do desemprego, já estávamos observando um aumento nas ocupações. Na pandemia isso se agravou ainda mais e surgiram muitas novas ocupações, de gente que morava pagando aluguel em favelas e não conseguem mais pagar, ou seja, são despejadas das favelas e acabam em ocupações, em situação ainda mais precária”, diz ela.
O primeiro despejo de Jucelio, quando precisou sair do apartamento em São Bernardo, é um desses casos que não estão nas estatísticas — ele não conseguiu pagar, o dono pediu o apartamento e ele devolveu, não chegou a haver uma ação judicial.
A remoção da ocupação, conta, foi ainda mais traumática, porque os moradores tinham uma liminar que impedia o Estado de fazer a remoção, então acharam que não iam precisar sair. Mas, de última hora, o governo conseguiu uma decisão judicial derrubando a liminar.
“A gente não sabia, teve gente que foi trabalhar e deixou todas as coisas, perdeu tudo. Eu consegui salvar a geladeira, a TV e a máquina de lavar, mas perdemos uma cômoda com todas as roupas de bebê que tínhamos ganhado, uma carteira com parte do pagamento da moto, vários documentos. Foi horrível, eles chegaram com retroescavadeiras e simplesmente derrubaram tudo”, conta Jucelio.
Logo depois da remoção, um incêndio na ocupação destruiu pertences que ainda estavam em meio aos escombros. Diversas pessoas ficaram feridas e tiveram que ser levadas ao hospital, segundo relatos das famílias.
À época, a Ecovias disse em nota que comunicou as famílias 15 dias antes, mas reconheceu que a data da reintegração de posse não estava marcada. A justificativa seria o risco pelo fato da ocupação estar próxima à rodovia. Nem o governo do Estado, dono do terreno sob concessão da Ecovias, nem a prefeitura de Diadema, onde ficava a ocupação, ofereceram assistência às famílias.
“Discussão do risco é muito importante, de fato, tem áreas em que as pessoas estão sujeitas a riscos como deslizamento e enchente. Mas o problema quando se fala em risco é que ele precisa ser avaliado individualmente, fazer um laudo, examinar em outra escala, não em baciada”, afirma Raquel Rolnik, da FAU.
“Ninguém vai se pendurar numa pirambeira numa situação vulnerável se tiver alternativas. Hoje se olha áreas sujeitas a risco e tira-se as pessoas, não se atende ninguém, e muitas vezes as pessoas vão embora para uma situação de risco ainda maior”, diz a urbanista.
Jucelio, felizmente, conseguiu ajuda de uma conhecida para alugar informalmente uma casa em Diadema e ajuda das professoras dos três filhos para comprar comida e roupas, mas sua situação ainda é de total insegurança.
“Estou pagando os empréstimos que usei para construir, recebi meu salário ontem e tive que pagar tudo para o meu patrão, que tinha me emprestado. Ou seja, não recebi nada. Não sei como vou fazer. É uma situação muito constrangedora, muito humilhante”, diz ele, com medo de ter de mudar novamente sem saber para onde.
Mas despejos na pandemia são permitidos?
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma resolução aconselhando que os tribunais não despejassem pessoas na pandemia, mas é apenas uma orientação, não uma regra, explica advogado Lincoln Romão Leite, especialista em Direito Imobiliário do escritório Neves, De Rosso e Fonseca Advogados.
Durante a pandemia, o Congresso aprovou uma lei proibindo despejos por decisões liminares (preliminares e temporárias, normalmente dadas com rapidez). A proibição foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas passou a valer quando o Congresso derrubou o veto — alguns dias após a remoção da ocupação de Jucelio através de uma liminar.
No entanto, explica Romão Leite, decisões normais de despejo, que não sejam dadas por liminar, continuam valendo.
Boa parte dos casos, no entanto, nem chegam à Justiça, como o de Jorge Torres.
Sua filha Renata conta que a imobiliária nem chegou a passar à proprietária do imóvel as propostas de outras formas de garantia que a família ofereceu quando descobriu que a empresa tinha esquecido de renovar o seguro fiança.
“Eles queriam que fizéssemos uma seguro de 30 meses, sendo que o contrato terminava em um ano”, conta ela. “Nós oferecemos outras garantias, como caução ou outras corretoras de seguro que aceitassem menos meses, mas eles disseram que a proprietária não topou. Depois conversando com a proprietária, descobri que eles nem apresentaram nossa proposta para ela”, conta Renata.
“Imagina, um seguro para 30 meses ficaria muito mais caro, a gente não tem condições”, conta Renata. “A gente nem pediu desconto no aluguel na pandemia, só queríamos uma solução amigável para a questão da garantia”, conta ela.
“A imobiliária está querendo cobrar a multa por (encerramento) do contrato, sendo que foram eles que obrigaram meu pai a sair”, conta ela, que tentou um acordo com a empresa sem sucesso. A imobiliária, Dinamar Imóveis, não respondeu os contatos feitos pela BBC News Brasil sobre o caso.
No fim, a única solução encontrada pela família foi o idoso ir morar com a ex-esposa, mãe de Renata. “Eles estavam separados havia 15 anos, mas ela se sensibilizou”, conta a filha.
“Ser desalojado já é um processo traumático e com consequências gravíssimas em termos normais. Na pandemia a situação é ainda muito mais grave”, afirma Rolnik.
“A gente viu situações que chama de ‘transitoriedade permanente’, de pessoas que chegaram a ser removidas 8 vezes. E o principal conselho das autoridades de saúde é ‘fique em casa’. Como promover essa medida se as pessoas estão sendo desalojadas?”
NOVO COMUNICADO – CORONAVÍRUS (COVID-19)
Em sintonia com o momento atual e em continuidade às medidas de prevenção e reorganização de nossas atividades que já vem sendo adotadas pelo NDF decorrentes da pandemia do coronavírus (COVID-19), informamos que nossas unidades estão abertas em horário comercial, ainda com um número reduzido de pessoas.
A maior parte da equipe segue trabalhando em home office, mas permanecemos conectados e à disposição dos nossos clientes.
A comunicação via e-mail segue inalterada, os telefones centrais de nossas unidades estão ativos e com redirecionamento para colaborador que fará o atendimento e tratamento da chamada, além de nossas redes sociais:
Telefones:
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E-mails:
Redes sociais:
O atendimento aos clientes e o desenvolvimento de nossas atividades continuarão a ser realizados com a mesma segurança, cuidado e comprometimento.
Qualquer outra mudança, manteremos todos informados.
Esse é um momento atípico e estamos fazendo tudo que está ao nosso alcance para que a situação volte ao normal o mais breve possível.
Sócia Camila Zynger fala sobre Direito da Família em tempos de pandemia
Sócia Camila Zynger falou sobre o tema “O Direito da Família em tempos de pandemia” no Gente que Fala, programa da rádio Trianon. Confira:
Ações de atletas por direitos trabalhistas
Para advogados, norma coletiva evitará ações de atletas por direitos trabalhistas
Atitude do Corinthians de dizer que não vai mais jogar à noite e aos domingos é uma resposta para evitar mais prejuízo
Matéria publicada em 12/05/20 no Estadão
Vinícius Saponara, O Estado de S.Paulo
A grande maioria dos clubes brasileiros passa, há um bom tempo, por dificuldades financeiras causadas por vários motivos – má gestão administrativa e poucos recursos oriundos dos direitos de transmissão ou da venda de jogadores são alguns deles. O atual momento vivido no Brasil e no mundo, com a paralisação das competições provocada pela pandemia do novo coronavírus, agrava a situação, que pode se complicar ainda mais com novos fatos.
Nos últimos dias foi noticiado que o ex-zagueiro Paulo André, hoje com cargo de direção no Athletico-PR, e o volante Maicon, atualmente no Grêmio, ganharam suas ações na Justiça contra Corinthians e São Paulo, respectivamente, pedindo o pagamento de valores referentes a adicionais noturnos e atividades realizadas durante domingos e feriados. O primeiro vai receber R$ 750 mil do clube alvinegro e o outro R$ 200 mil do tricolor.
Como forma de se precaver de outras ações como essas, o Corinthians surpreendeu nesta semana ao informar à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), à Federação Paulista de Futebol (FPF) e à Rede Globo que não vai mais jogar à noite e aos domingos. Por meio de um comunicado oficial, o presidente Andrés Sanchez ameaçou não mandar o time a campo caso suas partidas sejam marcadas nessas datas quando o futebol voltar.
Para advogados especializados em direito esportivo, a atitude do Corinthians é uma resposta para evitar mais prejuízo. “Casos com previsão de recebimento de adicional noturno e de dias trabalhados aos domingos e feriados não são de agora. É uma resposta para evitar mais ações, pois pode a tendência é de jurisprudência”, disse João Marcos Guimarães, sócio do escritório Bosisio Advogados.
Eduardo Carlezzo, sócio da Carlezzo Advogados, vê um excesso ao comparar-se a jornada de trabalho de um atleta de futebol com trabalhadores das demais categorias. “Existem inúmeras peculiaridades no futebol que não encontram correspondência em outras categorias. Estas decisões desconsideram aspectos básicos da prática profissional do futebol: disputar partidas à noite e nos finais de semana é a essência do futebol profissional. Por isso, entendo que tais decisões têm todas as condições de serem revertidas no TST (Tribunal Superior do Trabalho), não fazendo nenhum tipo de jurisprudência no assunto”.
Mas os jogadores não estão errados em entrar com ação contra os clubes para reclamar adicional noturno ou de ter de jogar aos domingos e feriados. “Já existia uma abertura na Lei Pelé para isso. Ela reserva certos direitos trabalhistas para os atletas. Um acordo entre clube e jogadores pode ser feito para evitar ações”, afirmou Bruno Fernandes, advogado associado do escritório Neves, De Rosso e Fonseca.
O problema para os jogadores é, de certa forma, “se queimarem” em futuras negociações. Especialmente os mais jovens. “Isso pode acontecer mesmo. É um risco para eles. Tanto que essas ações não são comuns. O número é pequeno”, contou Bruno. “Se o novo clube, para onde o jogador está se transferindo, souber (de alguma ação), pode não querer mais fazer a negociação”.
Para João Marcos Guimarães, uma norma coletiva – feita em conjunto por clubes, federações, jogadores e sindicato – é a melhor solução para evitar esses casos. “Jogadores e clubes precisam se acertar com relação a tempo de treinos, concentração. É preciso uma norma coletiva para poder estabelecer formas de remuneração para isso, evitando assim que ações desse tipo sejam feitas”, comentou.
Pandemia e o Sistema de Justiça
Confira o debate sobre a Pandemia e o Sistema de Justiça com a sócia Rossana Fonseca, Ministros Carlos Ayres Britto, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas e o jornalista Heraldo Pereira:
Sócia Carolina Pereira Campos fala para Nosso Direito sobre o Coronavírus (COVID-19) e os impactos no pagamento de pensão alimentícia.
O COVID-19 e os impactos no pagamento de pensão alimentícia
Publicado no Portal Nosso Direito em Ação: www.nossodireito.com.br
O isolamento social que se faz necessário em razão da pandemia Covid-19 tem provocado impactos inimagináveis, com reflexos no direito das coisas, das obrigações e também, no Direito de Família.
Segundo informações da assessoria de imprensa do STJ, no começo de março deste ano, a Ministra Nancy Andrighi concedeu habeas corpus para que um devedor de alimentos, preso em regime fechado, fosse transferido ao regime de prisão domiciliar, como uma medida de prevenção e controle da proliferação do vírus Covid-19.
A magistrada afirma que, embora não haja “flagrante ilegalidade na decisão que determinou a prisão”, é o caso de “substituir o regime de cumprimento da sanção, em virtude do coronavírus, cabendo ao juízo da execução dos alimentos estabelecer as condições do recolhimento”. A decisão segue o art. 6º da Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece que os magistrados “considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus”.
Por outro lado, deve ficar claro que essa alternatividade do regime da prisão não significa ‘moratória’ da dívida alimentar. Do ponto de vista legal, não há qualquer inovação legislativa isentando o pagamento das pensões alimentícias nesse período de pandemia. Embora o isolamento social esteja causando consequências econômicas com a suspensão do contrato de trabalho e até o desemprego de muitos alimentantes, é certo que essas situações, por si sós, não constituem causa para o não cumprimento das obrigações alimentares.
Antes, há que se levar a situação à via judicial, pois a alteração da situação financeira dos alimentantes possibilita a redução ou majoração do encargo, conforme dispõe os Artigos 1.699 do Código Civil e 15 da Lei 5.478/1968 (Lei de Alimentos), ou seja, nada muda em relação à possibilidade de propositura de novas ações de revisão de alimentos, com a ressalva da suspensão de prazos processuais, àquelas já em curso, atendendo ao disposto no art. 4º da Resolução 313 do CNJ, garantida a apreciação de medidas de caráter liminar e a de antecipação de tutela de qualquer natureza, para o caso das novas.
Assim, em vez de dar margem a uma interrupção abrupta do pagamento, capaz de gerar insolvência dos alimentos devidos e, em última instância, prisão civil, tem-se a possibilidade de propositura de Ação Revisional de Alimentos, inclusive com pedido liminar para redução, caso se comprove a diminuição transitória de proventos, que será avaliada pelo juiz de acordo com cada caso concreto.
É certo, de um modo ou de outro, falando especificamente dos alimentados, diante da situação atípica que estamos vivenciando, que caberá aos pais visar sempre o melhor interesse do menor – afinal é ele o destinatário da verba – pautando-se pela prudência, como forma de que seja assegurado o direito aos alimentos, nele compreendidos a saúde, a educação e outros bens imateriais ligados à sua condição de pessoa em desenvolvimento.
Carolina Pereira Campos é advogada Pós-Graduanda em Direito das Famílias e Sucessões pela Escola Paulista de Direito. Atua nas áreas de Direito Civil e Controladoria Jurídica da unidade de São Paulo do escritório Neves, de Rosso e Fonseca Advogados.
Sócio Bruno Fernandes fala ao Estadão
O coronavírus e a possibilidade de suspensão ou redução de salários de jogadores de futebol
Publicado em 16/04/20 no Estadão
Bruno Fernandes da Silva*
Em meio à discussão jurídica acerca da aplicabilidade da MP 927/20, editada em 20/03/2020, a qual já passou por modificações importantes por intermédio da MP 928/20, que barra a suspensão de salários (art. 18), e que já passou por análise liminar pelo STF, cuja iniciativa foi reeditada pela MP 936/2020, que prevê no seu art. 7º, II a pactuação de acordos individuais escritos e, até mesmo, a redução da jornada de trabalho e do salário, em faixas de 25%, 50%, com teto de 70%, um movimento um tanto controverso surge no cenário jus desportivo: cabe aos clubes suspender salários de jogadores em função da pandemia de coronavírus?
No Brasil, mesmo diante da edição desta última medida provisória, até então não se tinha chegado a um denominador comum. Associação Brasileira de Executivos Financeiros do Futebol (Abeff) em sua última reunião envolvendo clubes das séries A, B e C do Campeonato Brasileiro, discutiu propostas de férias imediatas de 30 dias; a partir do 31º dia, caso a situação não esteja normalizada, redução de 50% nos salários e direitos de imagem; e, se depois de mais 30 dias a suspensão dos torneios persistir, seria permitida a suspensão dos contratos até que a pandemia seja superada. Houve acordo somente para as férias por 30 dias.
A categoria é espécie sui generis, e detém condições específicas. No debate ainda, propunha-se definir um piso às medidas, aplicando-as apenas aos vencimentos superiores a R$ 40 mil mensais. Fora pequenas divergências internas e opções em debate, como suspender pagamento apenas de direitos de imagem, mas, em linhas gerais, a discussão é sobre um corte dos vencimentos de atletas, pela metade, dentro de 30 dias. O Fortaleza, por exemplo, fechou acordo com os jogadores, prevendo uma diminuição de 25% nos salários de março e abril, bem como uma redução de 15% nos salários dos dirigentes.
No futebol europeu, após uma resistência inicial dos jogadores que, mesmo apoiando o movimento de isolamento social, especialmente na liga italiana, chegou-se ao consenso de que soluções emergenciais devem ser tomadas, o que fez com que Barcelona e PSG decidissem no fim desta semana reduzir os salários de seus jogadores. O clube catalão não informou o percentual, mas o francês entendeu por um teto de até 70% dos vencimentos do atleta.
Juridicamente, a discussão é travada no âmbito do Direito do Trabalho (Lei Pelé, art. 3º, § 1º, I) que prevê apenas a força maior como causa de redução de salários, mesmo assim, limitada a até 25% (CLT, art. 503). No entanto, muito embora o art. 501 da CLT dê por ‘força maior’ todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente, válida para trabalhadores sob relação de emprego, fora disso e da edição desta última medida provisória, não havia previsão para a suspensão dos pagamentos, especialmente quando aplicado a jogadores de futebol.
E com isso o problema pode ser ainda mais preocupante, pois mesmo uma redução para salários, por exemplo, acima de R$ 40 mil, clubes com faturamentos não tão expressivos seriam diretamente afetados.
Como visto, muito além dos reflexos no salário, especialmente no futebol, há outras rendas que compõem a remuneração. Com a suspensão das competições, o chamado direito de arena deixa de ser pago aos competidores. Apenas esta renda corresponde a 5% do valor recebido pelas emissoras de televisão, pela licença de exibição dos jogos. Isso sem mencionar os direitos de imagem, que podem chegar a cifras bem mais altas.
Há que se dar tempo ao tempo. Um cenário nebuloso ainda está instalado; e, até que um acordo coletivo seja finalmente firmado, pois, se sobrepõe à lei (CLT, art. 611-A) e às próprias convenções coletivas (CLT, art. 620), medidas alternativas e até mesmo inventivas devem ser analisadas e postas em prática com cuidado, sendo esse novo mandamento do Executivo (provisório) um caminho que ainda carece de discussão, resguardada a urgência, para que seja um “carrinho” válido, tal como se faz dentro de campo.
Bruno Fernandes da Silva é advogado com Pós-Graduação em Direito dos Contratos pelo Insper e Pós-Graduando em Direito Desportivo pela Escola Superior de Advocacia da OAB. Atua nas áreas de Direito Civil e Empresarial da unidade de São Paulo do escritório Neves, de Rosso e Fonseca Advogados*.
Condomínio e aluguel no contexto da pandemia
Por Lincoln Leite
As palavras epidemia e pandemia são substantivos femininos utilizados para designar uma enfermidade que ataca muitas pessoas ao mesmo tempo (epidemia) e que já se espalhou por todo o mundo (pandemia).
Hoje passamos por uma pandemia e, como já ficou bastante claro, o seu combate provoca consequências para todas as pessoas e em todos os contextos econômicos e sociais.
Um desses contextos é o do pagamento de taxas de condomínio e de aluguéis, afetado em razão da diminuição ou da completa impossibilidade de obtenção de renda por pessoas físicas e jurídicas.
A pergunta que se faz é a seguinte: poderá o condômino deixar de honrar com uma ou com ambas as obrigações?
A resposta dada para a maioria dos problemas jurídicos, assim como o que se apresenta, é “depende”.
Antes de procurarmos as respostas, valeria uma outra pergunta: não seria a redução da prestação (condomínio ou aluguel) possível e, em sendo, não seria ela mais interessante para a superação do momento de dificuldade enfrentado por todos?
Pensemos na situação do proprietário do imóvel. Caso ele seja o proprietário e residente, a obrigação de pagar o aluguel inexiste, mas a obrigação de pagar o condomínio sim.
O proprietário deve estar ciente de que a obrigação de pagar o condomínio não é proveniente de contrato, mas sim do fato de ser ele o proprietário do bem. Como diz o art. 1.315 do Código Civil, “o condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita”.
Portanto, aquele que adquire um bem em condomínio (muito comum em edifícios de apartamentos) sabe de antemão que estará obrigado a pagar a taxa necessária à sua conservação e a outros ônus que possam surgir, obrigação esta que perdurará enquanto for proprietário do bem.
Dadas essas características, e em tempos normais, dificilmente a perda do emprego será aceita como hipótese de caso fortuito ou força maior para justificar o incumprimento da obrigação de pagar o condomínio. Aliás, a perda do emprego já não é aceita pelos tribunais brasileiros para justificar o incumprimento de obrigações contratuais, tais como as decorrentes de empréstimos, por exemplo.
Entretanto, não vivemos tempos normais. Não estamos falando apenas na perda do emprego, mas sim, para muitos, na completa impossibilidade de busca por uma recolocação ou uma fonte alternativa de renda, e isso por prazo incerto. Afinal, o principal meio de combate à pandemia é, no momento, o isolamento social.
Nesse cenário, sobressai a importância do papel exercido pelos síndicos e administradores de condomínio. É importante que esses profissionais analisem o caixa do condomínio e tenham o diagnóstico completo de suas necessidades e das despesas para fazer frente a elas pelos próximos meses.
Feito isso, é importante que tenham um papel proativo na negociação de alternativas com os condôminos. A diminuição da taxa, por exemplo, pode não ser imprescindível para todos os condôminos, mas se for possível sustentar a manutenção do condomínio pelos próximos meses mesmo com uma redução, ela certamente trará um alívio para as contas de muitas pessoas.
O combate à epidemia gera consequências em cadeia. Cada despesa cortada pelo condomínio agora e cada redução de despesa que reflita positivamente nas contas dos condôminos pode representar um emprego mantido, um medicamento adquirido ou qualquer outro consumo de bem ou serviço. Em outras palavras, é mais interessante e proveitoso para todos que as cadeias de consumo sejam mantidas e não interrompidas para que a economia continue girando, ainda que em ritmo mais lento.
Isso vale para todos, pessoas físicas e jurídicas.
Em último caso, se não houver negociação a questão poderá ser levada ao Judiciário, o que não é nada interessante. Ir ao Judiciário significará mais despesas, para o condomínio e para o proprietário, e a ampliação da cadeia de consequências do combate à pandemia, já que a tendência é o aumento do número de demandas nos próximos meses.
De toda forma, é possível que a questão seja resolvida com base no art. 317 do Código Civil, que diz: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.
Foi com base neste dispositivo que o juízo da 25ª Vara Cível de Brasília deferiu liminar recentemente para suspender em parte o contrato de locação entre um lojista e um shopping center, permitindo que somente o aluguel incidente sobre o faturamento e os encargos condominiais sejam pago pelos próximos meses (processo nº 0709038-25.2020.8.07.0001).
A solução para o problema do aluguel segue o mesmo caminho até aqui delineado, mas pode ser alcançada de maneira mais fácil. Isso porque enquanto a negociação da taxa condominial pode demandar o envolvimento do síndico, do administrado, do proprietário e até mesmo de todos os condôminos, a negociação do aluguel está limitada entre locador e locatário.
A principal recomendação é negociar para que a questão não seja levada ao Judiciário, mas caso isso aconteça é importante que as partes estejam preparadas para demonstrar a efetiva necessidade de redução ou mesmo do não pagamento do aluguel. Em outras palavras, a pandemia não pode ser utilizada, por si só, para justificar o inadimplemento do contrato. É necessária a efetiva comprovação de que as medidas de combate causaram consequências diretas na capacidade financeira do locatário.
Em uma situação de normalidade o inadimplemento do aluguel pode levar ao despejo, conforme previsto no art. 59, § 1º, IX, da Lei nº 8.245/91, mas, como já dissemos, não estamos em um momento de normalidade.
A tendência é a de que o Judiciário não conceda despejos pelos próximos meses, caso o fundamento seja o inadimplemento de aluguéis e acessórios durante o período de combate à pandemia. Evidentemente, cada caso demandará a devida análise de suas peculiaridades, tais como, por exemplo, a eventual essencialidade do recebimento do aluguel para a manutenção da vida do próprio locador.
As peculiaridades dos casos poderão refletir até mesmo no cumprimento de mandados de despejo já autorizados antes das medidas de isolamento social, como ocorreu em processo em trâmite na 12ª Vara Cível de São Paulo/SP, no qual o juízo determinou a suspensão do cumprimento por 30 dias, tendo em vista que a pessoa a ser despejada era uma idosa e vulnerável (processo nº 1012923-71.2019.8.26.0100).
Pensando em regulamentar situações como essas o Projeto de Lei nº 1179/2020, apresentado pelo Senador Antônio Anastasia, prevê a impossibilidade de despejos liminares até o dia 31 de dezembro de 2020. Estava prevista também a possibilidade de suspensão total ou parcial do pagamento de aluguel até o dia 30 de outubro de 2020, mas o dispositivo foi retirado pela relatora Senadora Simone Tebet e é provável que não seja reincluído pela Câmara.
Enfim, a situação do condomínio e do aluguel demonstra que os problemas gerados pelo combate à pandemia estão encadeados e que as soluções pontuais tendem a não ser eficazes. É extremamente importante que as partes estejam dispostas e prontas para negociar, pensando em soluções que, ainda que não sejam as melhores para o interesse individual de cada qual, possam refletir positivamente na cadeia de problemas que está sendo enfrentada por toda a sociedade.
O nosso ordenamento jurídico prevê soluções para esses problemas, mas demandar o Judiciário deve ser evitado a todo custo.
Confira texto do sócio Bruno Fernandes sobre os reflexos do coronavírus (COVID-19) nos vencimentos dos jogadores e o impacto no caixa dos clubes
O COVID-19 E A POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO OU REDUÇÃO DE VENCIMENTOS DE JOGADORES DE FUTEBOL: PODE?
Por Bruno Fernandes
Em meio à discussão jurídica acerca da aplicabilidade da MP 927/20, editada em 20/03/2020, a qual já passou por modificações importantes através da MP 928/20, que barra a suspensão de salários (art. 18), e que já passou por análise liminar pelo STF, cuja iniciativa foi reeditada pela MP 936/2020, que prevê no seu art. 7º, II a pactuação de acordos individuais escritos e, até mesmo, a redução da jornada de trabalho e do salário, em faixas de 25%, 50%, com teto de 70%, um movimento um tanto controverso surge no cenário jusdesportivo: cabe aos clubes suspender salários de jogadores em função da pandemia de coronavírus?
No Brasil, mesmo diante da edição desta última medida provisória, até então não se tinha chegado a um denominador comum. Associação Brasileira de Executivos Financeiros do Futebol (Abeff) em sua última reunião envolvendo clubes das séries A, B e C do Campeonato Brasileiro, discutiu propostas de férias imediatas de 30 dias; a partir do 31º dia, caso a situação não esteja normalizada, redução de 50% nos salários e direitos de imagem; e, se depois de mais 30 dias a suspensão dos torneios persistir, seria permitida a suspensão dos contratos até que a pandemia seja superada. Houve acordo somente para as férias por 30 dias.
A categoria é espécie sui generis, e detém condições específicas. No debate ainda, propunha-se definir um piso às medidas, aplicando-as apenas aos vencimentos superiores a R$ 40 mil mensais. Fora pequenas divergências internas e opções em debate, como suspender pagamento apenas de direitos de imagem, mas, em linhas gerais, a discussão é sobre um corte dos vencimentos de atletas, pela metade, dentro de 30 dias. O Fortaleza, por exemplo, fechou acordo com os jogadores, prevendo uma diminuição de 25% nos salários de março e abril, bem como uma redução de 15% nos salários dos dirigentes.
No futebol europeu, após uma resistência inicial dos jogadores que, mesmo apoiando o movimento de isolamento social, especialmente na liga italiana, chegou-se ao consenso de que soluções emergenciais devem ser tomadas, o que fez com que Barcelona e PSG decidissem no fim desta semana reduzir os salários de seus jogadores. O clube catalão não informou o percentual, mas o francês entendeu por um teto de até 70% dos vencimentos do atleta.
Juridicamente, a discussão é travada no âmbito do Direito do Trabalho (Lei Pelé, art. 3º, § 1º, I) que prevê apenas a força maior como causa de redução de salários, mesmo assim, limitada a até 25% (CLT, art. 503). No entanto, muito embora o art. 501 da CLT dê por ‘força maior’ todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente, válida para trabalhadores sob relação de emprego, fora disso e da edição desta última medida provisória, não havia previsão para a suspensão dos pagamentos, especialmente quando aplicado a jogadores de futebol.
E com isso o problema pode ser ainda mais preocupante, pois mesmo uma redução para salários, por exemplo, acima de R$ 40 mil, clubes com faturamentos não tão expressivos seriam diretamente afetados. Como visto, muito além dos reflexos no salário, especialmente no futebol, há outras rendas que compõem a remuneração. Com a suspensão das competições, o chamado direito de arena deixa de ser pago aos competidores. Apenas esta renda corresponde a 5% do valor recebido pelas emissoras de televisão, pela licença de exibição dos jogos. Isso sem mencionar os direitos de imagem, que podem chegar a cifras bem mais altas.
Há que se dar tempo ao tempo. Um cenário nebuloso ainda está instalado; e, até que um acordo coletivo seja finalmente firmado, pois, se sobrepõe à lei (CLT, art. 611-A) e às próprias convenções coletivas (CLT, art. 620), medidas alternativas e até mesmo inventivas devem ser analisadas e postas em prática com cuidado, sendo essa novo mandamento do Executivo (provisório) um caminho que ainda carece de discussão, resguardada a urgência, para que seja um “carrinho” válido, tal como se faz dentro de campo.
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