Sócio Lincoln Leite para Valor Econômico
Disponível em: Site Valor Econômico
TJ-SP determina bloqueio de recursos na conta da funcionária do devedor
Credor a localizou porque ela pagava mensalidades escolares dos filhos de empresário
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) tem apostado em soluções arrojadas contra devedores para que quitem suas dívidas. Em uma nova decisão incomum, os desembargadores determinaram o arresto (bloqueio provisório) de recursos na conta bancária da funcionária de um devedor. O credor, um banco, a localizou porque era ela quem pagava as mensalidades escolares dos filhos do patrão em uma escola frequentada pela alta sociedade paulistana.
No ano passado, o mesmo tribunal condenou uma sogra a pagar dívida do ex-marido da filha. A decisão levou em consideração contratos verbais de empréstimos no valor total de R$ 900 mil que firmou com o ex-genro, incluídos na declaração de Imposto de Renda dele e que não estariam quitados.
Essas soluções, segundo advogados, são importantes para tentar reduzir a quantidade de processos não finalizados por falta de pagamento no país. No fim de 2019, eram 77 milhões de processos pendentes de baixa – mais da metade (55,8%) se referia à fase de execução (cobrança), segundo o levantamento “Justiça em Números” de 2020, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em parte dos casos, segundo o CNJ, “o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente”.
O processo analisado recentemente pelo TJ-SP foi ajuizado por um banco que tenta cobrar empréstimo no valor de R$ 7 milhões do sócio de uma empresa falida. “Apesar de ter assinado diversos contratos de empréstimo e ter diversas execuções em curso, ele continua com uma vida de luxo, muito superior a de muitos brasileiros”, diz o advogado da instituição financeira, Lincoln Romão Leite, do Neves, De Rosso e Fonseca Advogados.
O banco, segundo o advogado, tem cinco execuções contra ele. “Já tentamos penhora on-line de contas bancárias, de veículos, de imóveis. No caso de imóveis, chegamos a localizar, mas ele faz doação para os filhos ou para a esposa, casada em separação total de bens”, afirma.
Posteriormente, porém, a defesa do banco localizou na declaração de Imposto de Renda do devedor o pagamento das mensalidades escolares de seus filhos, no valor anual de R$ 354 mil. O juiz oficiou, então, a escola e foi informado que o pagamento era realizado por cheques de uma funcionária dele.
A defesa do banco pediu a penhora on-line de recursos na conta da funcionária, até que seja esclarecido o caso, com base no artigo 790, inciso III, do Código de Processo Civil (CPC). Segundo esse dispositivo, “são sujeitos à execução os bens do devedor, ainda que em poder de terceiros”. Em primeira instância, o pedido foi negado. O juiz entendeu não haver ainda prova da suposta fraude.
O banco recorreu ao TJ-SP. O caso foi analisado pela 16ª Câmara de Direito Privado, que, de forma unânime, indeferiu o pedido de penhora, mas determinou o arresto dos bens da funcionária até que a situação seja esclarecida (agravo de instrumento nº 2217833-52.2019.8.26.0000).
De acordo com o relator, desembargador Mauro Conti Machado, “há sim, indícios suficientes de ocorrência de fraude à execução, a impor o arresto liminar dos ativos financeiros pertencentes ao devedor e que estariam, ao que se presume, sendo ocultados em conta bancária pertencente a terceira pessoa.”
Na decisão, o magistrado destaca que houve expedição de ofício ao Banco Central e ficou demonstrado que o executado não possui conta bancária em nome próprio, mas tão somente como representante de pessoas jurídicas. “Nessa toada, causa estranheza a declaração ao Fisco de pagamento de mensalidades escolares no ano de 2018 no montante total de R$ 354.549,21, considerando-se que, segundo apurado inicialmente, o agravado não teria qualquer tipo de bem ou ativo financeiro”, diz.
Ainda segundo o julgador “se os pagamentos foram realizados como ato de bondade, não poderia o recorrido declará-los ao Fisco, já que as quantias não teriam sido por ele desembolsadas”. Com a liminar, a funcionária será intimada para prestar esclarecimentos sobre os pagamentos realizados, a que título os fez, qual sua ligação com o devedor, além de explicitar a origem dos recursos.
Para o advogado Lincoln Romão Leite, “decisões como essa são muito importantes já que é um desafio muito grande no Brasil tornar a execução efetiva”. No caso concreto porém, explica, a conta da funcionária foi esvaziada antes da decisão do TJ-SP. “Existem devedores que não querem colaborar com a Justiça, não querem dar uma solução para a dívida, parcelar, negociar. Nesses casos, a Justiça tem que agir para encontrar uma solução”, afirma.
Por nota, o advogado que assessora o executado, Gilberto Theodoro, do escritório que leva seu nome, diz que respeita a posição do magistrado, mas que “a decisão foi proferida de forma açodada, com base em suposições trazidas pela parte adversa (e não em provas produzidas segundo as regras processuais aplicáveis à espécie), sem oportunidade do exercício do contraditório e da ampla defesa (pilares do devido processo legal, o que é preocupante)”.
De acordo com o advogado, “essa decisão será oportunamente revista, uma vez que não foi instaurado incidente de desconsideração de personalidade jurídica, o que é essencial para se buscar a responsabilização de terceiros”. A funcionária ainda não tem defensor designado no processo.
Maria Tereza Tedde, do Salusse Marangoni Advogados, que assessora o credor que tenta a execução da sogra do devedor, considera essa nova decisão do TJ-SP “absolutamente legal, correta e técnica”. O arresto, nesse caso, diz, foi necessário até que se analise se houve fraude ou não.
No caso da sogra, já houve a comprovação de fraude à execução, segundo a advogada. Por isso, foi determinada a penhora – ou seja, os recursos podem ser direcionados para o pagamento da dívida. “É muito importante que o tribunal se posicione de maneira muito firme nesses casos, para não continuar passando a mensagem de que vale a pena dever.”
Para o advogado Luis Cascaldi, sócio do Martinelli Advogados, o Judiciário, às vezes, é resistente para a realização de pesquisas patrimoniais de terceiros ligados a devedores “Sempre fica aquela situação: o credor sabe que há patrimônio, mas tem que descobrir onde está”, diz. No caso analisado pelo TJ-SP, de acordo com Cascaldi, a situação é clara. “Quem mais pagaria a mensalidade de um dos colégios mais caros de São Paulo senão o pai? E se está pagando é porque tem recursos.”
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